A leitura de textos e a preocupação com o seu sentido vêm provocando inquietações em mim desde que me envolvi de modo mais consciente com a religião. Inicialmente, minhas reflexões sobre os documentos bíblicos não se apercebiam da necessidade de um rigor literário-científico que orientasse o contato com as letras, embora não fosse ignorante em relação à utilidade e à indispensabilidade de algumas ferramentas metodológicas para uma leitura analítica e especializada. O princípio religioso-confessional de que a iluminação divina ajudaria a descobrir a verdade contida nos textos sagrados era suficiente, não obstante a investigação crítica desses documentos – primeiramente através de um exame nas línguas originais, inclusive – fosse, de igual modo, condição fundamental para encontrar o sentido, de acordo com os pressupostos teológicos oriundos da Reforma Protestante.
A experiência no Seminário e, depois, como professor iniciante de teologia, aproximou-me significativamente da hermenêutica, mesmo que minha compreensão de interpretação de textos bíblicos permanecesse restrita (mas não por muito tempo) à idéia de busca de um único sentido legítimo, a saber, aquele pretendido pelos autores. Evidentemente, a leitura de exegetas católicos e protestantes mais receptivos às metodologias modernas de análise literária (por exemplo, o método histórico-crítico), de cunho filosófico racionalista, despertava a minha curiosidade quanto às implicações de se admitir a Bíblia como um produto das mãos de seres humanos historicamente comprometidos.
Uma passagem pelo Mestrado em Teologia, ainda que não tenha culminado na conclusão do curso, sedimentou algumas percepções: a) É impossível atingir a intenção do autor, porém apenas efetuar aproximações e elaborar hipóteses de interpretação, as quais serão sempre passíveis de falseamento por ocasião de novos argumentos; b) A hermenêutica não é, de modo algum, somente uma etapa final do trabalho de análise dos textos, com vistas à contextualização de sua mensagem, todavia um processo inerente ao desenvolvimento da tradição bíblica, de cujos livros raramente se pode falar de um autor, visto que a sua transmissão envolvia o fenômeno das releituras que agregavam novos sentidos, adequados aos horizontes de compreensão contemporâneos, mediante acréscimos, omissões e atualizações dos documentos recebidos; c) Segundo a filosofia heideggeriana, o leitor, enquanto ser-no-mundo, está imbuído de “prés” – com toda a carga geradora de significação de que seu patrimônio cultural e existencial é capaz –, os quais condicionam a interpretação; d) O texto é incontornavelmente polissêmico, ou seja, portador de uma reserva de sentido que torna possíveis tantas leituras quantos forem os leitores. A polissemia do texto faz com que sua interpretação independa do sentido pretendido por seu autor.
Meu interesse pela habilitação Português-Literatura do curso de Letras da Universidade Estácio de Sá se deveu à ambição de adquirir mais conhecimentos no campo da Hermenêutica. A exposição das múltiplas correntes de análise literária fez com que eu aprendesse a ver a Literatura enquanto manifestação da dialética do ser consigo e com o mundo. Sobretudo, o texto literário, venha ele revestido de uma estrutura religiosa ou não, é linguagem(ns) de (res)significação da realidade, uma vez que o ser humano e as percepções que este constrói acerca do mundo são essencialmente linguagem.
Lembro-me de que a Profª. Angela Fabiana (de Teoria da Litetarura III) costumava dizer que já trazemos algo conosco a partir do momento em que passamos a existir no mundo. Isso me faz recordar, embora os pressupostos metodológicos-existenciais sejam distintos, da teoria gerativa de Noam Chomsky, segundo a qual o ser humano nasce com uma capacidade inata de adquirir linguagem e desenvolver competência comunicativa entre os falantes do grupo social no qual está inserido. Essa relação intrínseca entre linguagem e existência ficou bastante nítida nas aulas: os formalistas russos, interessados em estudar a forma do texto, chamavam a atenção para as funções da linguagem no processo da comunicação; os teóricos da Nova Crítica norte-americana entendiam a narrativa como um mundo em si, no qual cada elemento possuía um papel inequívoco e fundamental para a compreensão do texto; a Estilística tentava descobrir o elo entre o sentido do texto, o estilo do autor e o espírito de sua época; a Sociologia da Literatura sinalizava o caráter libertário do texto literário – por exemplo, o romance, que trataria do contraste entre valores autênticos e a degradação social; a Fenomenologia apresentava o texto literário como representação da realidade, tal qual ela aparece diante dos sentidos; a Estética da Recepção irá valorizar a experiência do leitor com a obra literária.
A leitura de textos e a preocupação com o seu sentido continuam a provocar inquietações em mim. A diferença é que, a partir dos estudos em Literatura, percebo que não há exatamente textos sagrados. Há textos. A vida é sagrada, em suas infinitas possibilidades. A Literatura dá conta dessa sacralidade da vida, na medida em que afirma esta é sempre um vir-a-ser e, portanto, pode ser sempre mais do que tem sido, abre-se continuamente para o mistério da existência.
5 comentários:
Ruben, muito legal mesmo o seu olhar sobre os textos, sobre os sentidos e sobre a vida...
Partilho em muitos pontos com a sua visão.
Deus te abençoe na sua caminhada,
Abração,
Pedro.
Ruben, lendo seu texto deu pra ouvir você falando, o que pra mim é muito legal, já que a gente não se vê há um tempão...
Deus continue abençoando você.
rio pomba!
tenho uns conhecidos de lá.
sobre o q vc escreveu,
sei que quanto mais a gente lê,
quanto mais descobre,
mais a gente quer mais.
e mais. e mais.
Aê!! é a análise sintática essencial existencial...sacou?!
fantástico Ruben.
a tua inteligência e generosidade
são um estímulo e tanto.
Parabéns! e prossiga!
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