"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

segunda-feira, janeiro 29, 2007

As virtudes teologais [2]: A fé

Na postagem anterior, introduzi o tema das virtudes teologais – a fé, a esperança e o amor – que conhecemos a partir da leitura da Primeira Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios, capítulo 13, versículo 13 (1Co 13.13). Tomás de Aquino (1224 - 1274), um dos grandes pensadores da escolástica medieval, um período de intensa reflexão teológica e filosófica sobre os temas fundamentais da dogmática cristã católica, pronunciou-se desse modo acerca delas em sua "Summa Teologiae" (2ª parte, 1ª seção, questão 62, artigo I):

Ora, esses princípios se chamam virtudes teologais, quer por terem Deus como objeto, enquanto nos ordenam retamente para ele; quer por nos serem infundidos só por Deus; quer por nos serem essas virtudes conhecidas só pela divina revelação, na Sagrada Escritura.


Eu havia iniciado com a fé, apresentando a idéia hebraica de 'emunah – fidelidade – em Habacuque 2.4: “Eis o orgulhoso! O seu ser não é direito nele. Mas o justo por sua fidelidade será”. Em seguida, expus a noção da palavra grega pístis – fé – na releitura teológica que o apóstolo Paulo faz da passagem de Habacuque em Romanos 1.17: “Mas o justo viverá pela fé”. Em Habacuque, a fidelidade do justo é ressaltada pelo clamor do profeta contra o orgulhoso caldeu: ele faz pilhagens, usa de violência, destrói povos, confia em ídolos de madeira, pedra ou metal. A fidelidade, portanto, não é uma idéia: ela está indissociavelmente ligada à retidão, pois YHWH é “sobremodo puro de olhos para ver a maldade” (Hc 1.13aα). O manejo de Paulo com esse versículo, que ele toma a partir do grego, objetiva apresentar o evangelho como revelação da graça de Deus que aceita incondicionalmente os pecadores por meio da fé em Jesus Cristo.


Que outros sentidos o conceito “fé” pode assumir em textos do Novo Testamento da Bíblia cristã?


De acordo com Mc 1.14-15, Jesus inaugurou a sua pregação com uma declaração e uma convocação: completara-se o tempo e o reinado de Deus havia chegado; diante disso, o Nazareno clamava para as pessoas que elas convertessem o seu pensamento e o seu caminho e fizessem das boas notícias anunciadas por ele a substância da sua fé. Acredito que a noção de fidelidade está contida no imperativo do verbo pistéuo, da mesma raiz de pístis: comprometei-vos com as boas notícias, sede fiéis ao evangelho. Ter fé, segundo Jesus, é aderir ao seu anúncio. E o que Jesus anuncia? Que o reinado de Deus está presente entre os homens: o seu poder expulsa os espíritos impuros (1.21-29); a sua compaixão não apenas cura, mas toca o corpo do doente e do marginalizado (1.40-45); a sua terapia envolve os pecadores em celebrações de amor e amizade (2.15-17); a rigidez do jejum e do sábado são ultrapassadas pela fraternidade (2.18-22, 23-28); o serviço ao próximo substitui o governo de uns sobre outros (9.33-37); oferece-se um copo d'água ao discípulo sedento (9.41); homem e mulher se aproximam não para um tomar posse do outro, mas se unirem em um único ser, vivendo um para o outro (10.1-12); prenuncia-se a derrocada de um sistema religioso que colabora com a espoliação daqueles que vivem na penúria (13.1-2), ainda que o gesto de uma viúva de depositar no gazofilácio insensível tudo o que possuía tenha sido destacado como exemplo de confiança e desapego (12.41-44).

Nenhum comentário: