“Agora, porém, permanecem fé, esperança, amor, estes três;
contudo, o amor é o maior deles”. (1Co 13.13)
Estas três palavras – fé, esperança, amor -, bem conhecidas de todos nós, foram chamadas de virtudes teologais. São virtudes porque, se exercitadas, inclinam o ser humano para o bem. E são teologais porque são orientadas totalmente para Deus, isto é, elas têm nele a sua fonte e o seu objeto.
Neste estudo, gostaria de falar sobre a fé, a partir tanto da Bíblia judaica quanto da Bíblia cristã. Só um esclarecimento: a Bíblia judaica consiste no texto em hebraico e aramaico que, em relação aos livros, mas não à sua estrutura e disposição teológica, corresponde ao Antigo ou Primeiro Testamento da Bíblia cristã protestante. As Bíblias cristãs, católica e protestante, têm em comum sua dupla divisão em Antigo e Novo Testamentos, embora divirjam, em relação à primeira parte, no número de livros e no tamanho de alguns deles.
Na Bíblia judaica aparece, no livro de Habacuque, uma palavra que, quando transposta para o grego, primeiro na tradução dos livros hebraicos (LXX) e depois no Novo Testamento grego, adquire um outro sentido. É a palavra hebraica 'emunah, que dá a idéia de algo confirmado, estabelecido, verdadeiro. Essa palavra é da mesma família de 'amen. Hc 2.4 faz parte da resposta de YHWH para a queixa de Habacuque a respeito da opressão dos caldeus sobre Judá. Por isso, a palavra pode ser traduzida por “fidelidade” – “Eis o orgulhoso! O seu ser não é direito nele. Mas o justo por sua fidelidade será”. O justo se estabelece por sua fidelidade à palavra de YHWH. Essa passagem é utilizada em Rm 1.17 por Paulo, o qual emprega o grego pístis: “Mas o justo viverá pela fé”. O apóstolo relê o texto de Habacuque como demonstração de sua tese sobre a justiça de Deus e o evangelho.
Mas qual a relação entre fé e fidelidade? Ambas, inclusive, provém da mesma raiz latina, fide. De certo modo, quem é fiel a YHWH, acredita, em fé nele. No verso de Habacuque o justo é comparado ao orgulhoso, de quem o ser, conforme diz YHWH, não é direito. Por quê? As sentenças pronunciadas a seguir dão a resposta: o orgulhoso (aqui, o caldeu) faz pilhagens, usa de violência, destrói povos, confia em ídolos de madeira, pedra ou metal. Em Habacuque, fidelidade não é uma idéia: ela está indissociavelmente ligada à retidão. Será isso também o que Paulo quer dizer com sua outra leitura da passagem? Não há dúvida que a intenção primeira de Paulo é provar pelas Escrituras judaicas que a justiça de Deus – entendida como aceitação incondicional de pecadores – é estabelecida pela fé em Jesus Cristo. Mas, assim como ser fiel a YHWH envolve aderir à conduta de retidão que YHWH exige, ter fé em Jesus Cristo também requer compromisso com a vida de retidão que teve Jesus de Nazaré. Certo! O Novo Testamento anuncia uma salvação gratuita, que não depende de créditos decorrentes de obras de justiça nossas. Mas como é que a fé que anuncia a graça salvadora irá se mostrar sem a concretização dessa mesma graça em ações? O Novo Testamento também demonstra isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário