"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

domingo, julho 19, 2009

A Bíblia: novelas, sagas e milagres

A Bíblia é literatura. Seus textos testemunham com que modos variados os antigos hebreus desenvolviam a arte escrita para interpretar as suas sociedades e teologias. Se a Bíblia é um conjunto de peças literárias, naturalmente se pode estudar os gêneros de literatura que elas representam. Detendo-me nos gêneros narrativos, pretendo falar aqui a respeito de três deles, os quais podem ser observados no Antigo Testamento: a novela, a saga e a história de milagre.

A NOVELA descreve vários acontecimentos ligados à vida de um personagem, assim como os seus sentimentos e as suas reações. Geralmente, o personagem está destinado a preservar a vida de um clã ou grupo de famílias (p. ex. a novela de José). Também pode ser que a Providência valha-se do protagonista para evitar o extermínio de um povo (p. ex. a novela de Ester). Na novela de Rute, a protagonista é introduzida na linhagem de um personagem ilustre da história de Israel, o rei Davi (Rute 4.13-22).

Tomo como exemplo a história de José (Gênesis 37; 39 – 50) para ilustrar os três tempos nos quais se desenrola a trama da novela: A) INÍCIO (uma situação de conflito) – José é odiado e vendido por seus irmãos (37); B) MEIO (o conflito se complica cada vez mais) – José é caluniado e preso (39 – 40); C) FIM (a resolução do conflito) – José se torna governador do Egito, reconcilia-se com seus irmãos e reencontra Jacó, seu pai (41 – 50).

A SAGA quer explicar alguma situação no presente a partir de um acontecimento do passado. A história da transgressão dos primeiros seres humanos (Gênesis 3) esclarece o porquê da inimizade entre a serpente e o homem (versículo 15), da maneira como a serpente se locomove (versículo 14), das dores de parto da mulher (versículo 16), da canseira do trabalho do ser humano (versículos 17-19), etc. Já a narrativa da construção da torre de Babel quer desvendar a origem da cidade de Babilônia e do fenômeno da multiplicidade das línguas dos habitantes da região do Mediterrâneo e do Crescente Fértil (Gênesis 11.1-9). A história da prova de Abraão (Gn 22) mostra por que os israelita resgatam seus filhos primogênitos ao invés de sacrificá-los à divindade.

A HISTÓRIA DE MILAGRE tem o propósito de incitar ou fortalecer a fé. No centro da narrativa pode estar um profeta (p. ex. Elias), um mártir (p. ex. Os amigos de Daniel), um local sagrado (p. ex. Betel) ou um rito (p. ex. a circuncisão). Na história de 1Reis 17.7-16, a palavra de Iavé por meio de Elias tornou-se acontecimento real: o óleo e a farinha da viúva de Sarepta foram multiplicados. Os três amigos de Daniel escaparam ilesos das chamas da fornalha onde tinham sido lançados por terem se recusado a curvar-se diante da estátua de ouro de Nabucodonosor (Dn 3). Jacó consagrou uma estela que erigira em certo lugar como uma casa de Deus (heb. Beit-El – Betel), porquanto ali sonhara com uma escada em que os mensageiros celestes de Deus subiam e desciam (Gn 28.10-22). A narrativa quer explicar por que Betel era considerado um lugar sagrado. Em Gênesis 17, o rito da circuncisão foi instituído por ocasião de uma aparição de Iavé a Abraão.

Há outros gêneros literários narrativos no Antigo Testamento. Os três expostos – a novela, a saga e a história de milagre – podem ajudar o leitor a identificar e compreender trechos bíblicos nos quais sejam identificadas as mesmas características.

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