Faz algum tempo tenho tentado me convencer de que por mim já não há mais nada para ser dito. Quando pessoas me contam suas experiências, suas esperanças, suas crenças, ajo melhor (venho acreditando) ao ficar calado. O que move o ser humano me assusta, embora eu jamais saiba o que é. Não sei ao certo, porém acho que em uns e outros momentos quis negar isso. Negar que a energia está em todas as pessoas, de igual modo o gatilho que a põe em ação. Não se trata de ser abençoado ou não, de receber algo de fora ou não, de uma questão de adquirir isso ou aquilo, de herdar ou transmitir isso ou aquilo. A força com que o ser humano vive é a mesma que faz de quaisquer outros seres vivos batalhadores incansáveis em prol da existência de si mesmos e da perpetuação da própria espécie. Há, no entanto, em toda a constituição humana algo que ela mesma é e nunca pode deixar de ser: vontade! Esteja são ou doente, seja rico ou pobre, escravo ou pessoa livre (?), cada representante da humanidade não pode fugir da escolha.
O que é a fé? Acreditar? Em quê? Que um morto saiu vivo do túmulo? Onde reside a importância de uma coisa como essa? Da mesma maneira, qual o valor de pensar que botos viram rapazes para seduzir moças em arraiais, ou que o Anticristo já esteja entre nós, ou que Deus dará o pão amanhã, ainda que hoje não tenhamos um centavo no bolso? Sejam tais coisas possíveis ou impossíveis, a cada dia as pessoas se lançam e são lançadas em novas situações que as porão mais uma vez sob teste. A provação de ontem foi portentosa, mas ela se foi com o ontem, como folhas secas se vão ao soprar a ventania. Nossa decisão perante aquela situação também desapareceu, sendo nós chamados a decidir de novo. Decidir é tal qual avançar contra um precipício esperando encontrar uma ponte ou recuar para um terreno mais seguro. Uma e outra coisa não duram muito, pois para qualquer direção que nos dirijamos encontraremos o abismo novamente como se nunca houvéssemos prosseguido e milagrosamente (persistentemente?) encontrado (construído?) uma ponte ou então tornado atrás.
Há alguma certeza na fé? Racionalmente nenhuma. Ir atrás daquilo que não pode (e talvez nunca possa) ser visto, seja um reinado nos céus ou um paraíso na terra: pode haver alguma racionalidade nisso? A única razão que existe na fé é a razão da escolha. De uma maneira ou outra, sempre sabemos que temos que decidir. E por mais irracional que possa ser aquilo de que vamos atrás, não vamos porque nos mandaram, mas porque queremos. Não há certeza alguma na fé. O que há é a vontade. Quem quer crê, com ou sem comprovação, pois a comprovação de hoje se desfará perante o desafio de amanhã. Quem não quer não crê, com ou sem demonstração, pois esta semelhantemente o vento vai levar.
Em que você crê? Por que crê? Deram-lhe (ou você mesmo se deu) alguma certeza? Se está certo do que crê, você perdeu a fé faz muito tempo! Se a fé fosse certeza, ela não esperaria mais nada neste mundo, uma vez que, geração após geração, as pessoas são obrigadas a admitir que tudo (inclusive elas mesmas, por mais que se coloquem no centro do universo) está destinado a desaparecer. Se quisermos ser cientificamente corretos e respeitar o princípio da conservação da matéria e da energia: tudo inevitavelmente é transformado em outra coisa. Os dinossauros dominaram o planeta por milhões de anos. Onde eles estão? Viraram pedra. O que resta dos grandes impérios da antiguidade? Apenas pedaços do que já foram e cada um desses pedaços não pode responder por essas civilizações, visto que elas já foram varridas pelo tempo e seu significado morreu com elas. Tornaram-se bibelôs em exposições ou sítios arqueológicos ao redor do mundo.
Se a sua fé é fabricada de certezas, deixe-me lhe dizer que está construindo um castelo sobre areia. Por melhor que pareça o seu projeto, as condições do terreno é que vão determinar a durabilidade dele. De pó, terra, matéria somos todos feitos. Em atitude reverente perante essa condição, de inevitável transitoriedade (que nada mais é do que mutabilidade), de incômoda imprevisibilidade e de incontornável pluralidade, é que entenderemos que viver é escolher. E toda a escolha é um risco. Risco de alcançar ou de nunca encontrar o que se busca.
Qual é a vantagem, portanto, de crer em Deus ou negá-lo? De acreditar em si e trabalhar duro ou cruzar os braços e ficar lamentando a própria miséria? Enquanto quisermos ter a certeza de que Deus existe e nos receberá no seu reino após a morte, levaremos chapuletadas da vida que cedo ou tarde minarão essa certeza. E chegaremos perante o vazio que precede a escolha como sempre acontece, mas sem referência. O referencial nunca deveria ter sido Deus como certeza, porém unicamente esperança. Você nunca vai saber se Deus existe ou não, nunca vai saber em que o seu potencial vai dar, a menos que arrisque, admitindo vislumbrar no horizonte da sua visão apenas a si mesmo e deixando o coração apenas esperar por alguém que não o deixará só. Todavia, ainda que encontre Deus, você terá que procurá-lo sempre novamente, já que uma vez mais parecerá que ele não está lá. Fé é viver sem ter que constranger Deus a coisa alguma. É encontrá-lo sabendo que se vai perdê-lo novamente. É não querermos que ele nos pertença, no entanto oferecê-lo ao mundo transfigurado em corpos e paixões nossos. Quando deixamos Deus desaparecer, a fim de que tornemos a procurá-lo, ganhamos a nós mesmos. Confiar em Deus não é ter certeza da sua existência, mas arriscar ser tudo o que podemos ser, não porque isso vai nos levar a algum lugar, mas porque queremos chegar a algum lugar, ainda que nunca cheguemos ou saibamos se vamos chegar.
Deus não é certeza, só esperança. E a vida só dá uma certeza: você só pode escolher.
Arrebentem...