"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

segunda-feira, junho 23, 2008

2º Soneto

ESPIRITUALIDADE

Ó coração, por que desobedeces
E do meu comando não fazes caso com astúcia
Para me afligires com insuportável angústia
Ignorando-me as tristezas, e as dores, e as preces?

O peito arde, pois, com minúcia,
Um verdugo acusa-me e diz: “Mereces!
De lentidões e inoperâncias te entorpeces!
Méritos de condenados barganhas sem renúncia!”

Uma perfeição fria o crepúsculo vaticina da esperança
No mundo dos vencedores, da escolha fracassada
Opção pela poesia, nau dos que desistiram da bonança

Ó Mãe Celeste, por que te ocultas da alma atormentada
Distante, Espírito Todo-Poderoso, desta reles brisa sem confiança
A descrer da vida e de por ti incondicionalmente amada?

Um comentário:

Anônimo disse...

Alma aflita, inquieta e angustiada. Coração revolto em escombros que restaram de uma esperança outrora vivaz, hoje apenas resquício de fé. Continuamente, bates à porta sem resposta. Entretanto, ainda bates. Serás tu um coração que arrazoa, chora, deplora a ausência Daquele que pode estar presente, porém oculto justamente por detrás de tais perturbações? Por que não poderia a espiritualidade consistir também em uma procura incessante? A convicção daquele que julga haver encontrado o que seu coração buscara jamais tornará menos legítima a ardente indagação do cansado, abatido, descontente ante a vida que tantas vezes contradiz a crença. Se ainda existe um grito ou um sussurro interior que seja, existe porque ainda espera ser ouvido, atendido antes que sua existência faleça. Enquanto houver o menor gemido, uma ponta de anseio perseguindo o incógnito Ser que parece gostar de inventar mistério, acontece espiritualidade tão autêntica quanto a mais fervorosa e devota prática de fé. Assim como a alegria e a tristeza, fé e dúvida estão emaranhadas. A dúvida é intrínseca à fé. Admitir e expor, com realista franqueza, tudo o que de fato se passa no íntimo, é virtude da alma sincera que se esvazia, se despe, se desnuda sem medo diante das impossibilidades ignoradas por muitos. Eis um coração aceitável ao Divino. Coração que esperneia na tentativa de desvendar o invisível. Que nunca esgote sua ávida busca.