"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

domingo, fevereiro 04, 2007

As virtudes teologais [3]: A fé

Prosseguindo com as reflexões sobre as virtudes teologais – a fé, a esperança e o amor (1Co 13.13) –, gostaria de finalizar a abordagem sobre a dirigindo a atenção para dois exemplos tomados do Novo Testamento.


Primeiramente, quero me deter na carta aos Hebreus a fim de pensar na seguinte questão: do ponto de vista da religião cristã, como é que surge a fé? Faço a leitura de Hebreus 11.1-2: “Ora, a fé é uma convicção daquilo que está sendo esperado, uma certeza de coisas que não estão sendo vistas; pois os antigos foram aprovados por causa dela”. O autor anônimo desse livro faz uma relação da fé com a esperança. A fé existe a partir de uma esperança. E a esperança é efeito de uma promessa. A fé, então, nasce do encontro com Deus. Tal encontro é uma revelação de Deus, por meio da qual o ser humano se certifica da presença divina. A presença de Deus por si só já é promessa: promessa de companhia, de acolhimento, de amizade. Podemos lembrar das palavras de Deus a Moisés, quando este temia a missão de se apresentar ao Faraó: “E Deus* disse: Mas eu serei contigo” (Êx 3.12aα). Sentindo-se acolhida, a pessoa dirige o seu ser para Deus, e escuta, fala, age. E Deus, como é que ele lhe fala? No cristianismo católico fala-se do sensus fidei (0 bom senso da fé), isto é, uma iluminação do Espírito Santo por meio da qual os fiéis podem discernir o que conduz à verdade de Deus. Evidentemente, isso não pode estar dissociado da Bíblia e da dogmática da Igreja. O cristianismo protestante, por sua vez, estabelece a centralidade da Bíblia cristã enquanto testemunho da revelação de Deus. Hebreus 11, a meu ver, representa uma excelente definição do que é a Bíblia. Por que o Espírito Santo de Deus se comunica através das páginas da Bíblia? Porque a Bíblia é um livro que contém os diversos testemunhos de homens e mulheres que experimentaram a manifestação de Deus na sua história. Hebreus 11.2 conclui assim: “(...) os antigos foram aprovados por causa dela”, da fé. O verbo grego martiréo (μαρτυρέω) - “aprovar” - também tem o sentido de “dar testemunho”. Por meio dessas experiências, foi-lhes dado obter uma compreensão segura da natureza de Deus e de seus propósitos para a humanidade. É sobre isso que toda a Bíblia vai falar. O mais importante: a Bíblia cristã anuncia Deus tornado ser humano, Jesus de Nazaré, para a nossa salvação.


O segundo exemplo que desejo mencionar está em Efésios 2.8-9: “Porque pela graça fostes salvos por meio da fé;e isso não vem de vós, é o dom de Deus; não vem das obras, a fim de que ninguém se orgulhe”. A ação do verbo grego kaucáomai (καυχάομαι) - “orgulhar-se” - é expressa de modo absoluto. Isso indica que as obras, consideradas em si mesmas, podem levar o ser humano a rejeitar a salvação que Deus lhe oferece. Deve ficar claro: a salvação é pela graça. A fé conduz a pessoa, de modo que ela compreenda e acolha essa graça. Ninguém é salvo por aceitar um corpo de doutrinas. Somos salvos quando aceitamos que a salvação não se encontra em nós, mas procede somente de Deus. Não se trata, pois, de excluir as obras da experiência cristã ou condicionar a salvação àquilo que se crê. Trata-se de afirmar que a salvação é realizada unicamente por Deus que pode e quer salvar. Por isso, o testemunho bíblico reúne a fé e as obras no milagre da salvação: a fé anuncia a salvação e as obras concretizam o anúncio da fé, ainda que não de modo completo. No versículo 10, Paulo conclui: “Porque somos criação dele, tendo sido criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus preparou de antemão, a fim de que andássemos nelas”.


Nota:


* No texto grego acrescentou-se ὁ θεός (hó téos).

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