"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

quinta-feira, novembro 19, 2009

PECADO E MORTALIDADE

Enviei as considerações abaixo ao Professor Doutor Euler Renato Westphal, docente da Universidade da Região de Joinville (SC) e da Faculdade Luterana de Teologia (SC), a respeito de uma conversa que tivemos durante um encontro de obreiros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB). Na ocasião, acompanhei a minha noiva, a Pastora Carla Saueressig. Às minhas observações o Professor Euler ofereceu as suas profundas e necessárias ponderações, prevenindo-me quanto a um posicionamento absolutizante, pelo que pude agradecê-lo.

Olá, Professor Euler.

Sou o Ruben. Conversamos no intervalo de sua palestra para os obreiros da IECLB no Sínodo Rio dos Sinos, em São Leopoldo, no dia 30/09. Eu havia perguntado sobre como entender a questão do pecado, uma vez que as ciências bíblicas (principalmente a partir do método histórico-crítico e da história das formas) descobriram que Gênesis 1 - 11 é uma narrativa mítica. Ou seja, o mito não descreve com exatidão, apenas reflete a realidade social vivida através de uma construção, digamos, "fabulosa".* Minha questão é a seguinte: Não acredito que um dia os seres humanos tenham sido imortais e que tenham trazido a mortalidade, do ponto de vista biológico e fenomenológico, ao universo inteiro por causa de uma transgressão em um jardim mítico. Porém, é mais do que evidente que as ações humanas, desde que se adquire a consciência, parecem tender para o desarranjo e a destruição. Será, então, que é a consciência de si mesmo que já traz em si o potencial para o mal? Desse modo, desde que se torna consciente, o ser humano já possui essa ambiguidade moral. Se assim é, a conclusão é que Deus nos criou desse modo. Não nos tornamos assim em um determinado momento: nós sempre fomos assim. Dá a impressão de que Gênesis pode ser entendido a partir disso. O pecado no Antigo Testamento parece mais uma realidade constitutiva do ser do que adquirida em algum momento pelo ser.

Agradeço a atenção lá na reunião no Sínodo. Que Deus o abençoe em seu trabalho.

Respeitosamente,

Ruben Marcelino

* Com o termo "fabulosa", refiro-me ao caráter literário. A fábula pertence ao gênero narrativo. Nela, os animais participam do enredo e exibem características humanas - fala, sentimentos, etc. Geralmente, a fábula possui um cunho moral. Poderia ser o caso de Gênesis 3.

Um comentário:

Osvaldo Luiz Ribeiro disse...

Olá, Ruben.
Permita-me um dedo de intromissão: penso que mais do que "moral da história", para muito além de uma simples equivalência com os irmãos Grimm, com Gn 2 e 3, e, de modo geral, com respeitosa parte do AT, estamos diante de projetos político-ideológicos do Templo de Jerusalém, cujo objetivo claro, a meu ver, era/é adequar pessoas e suas ações aos interesses dos próprios projetistas. Recomendaria, para o "modelo", o velho Platão, em A Repúbica, segundo a leitura desnudante de Marcel Detienne, em A Invenção da Mitologia.
No mais, o modo como você pôs a questão implica em muita reflexão prévia, muita ousadia, muita coragem. Parabéns.
Osvaldo.
PS. Cantares não apenas descrê de Gn 3,16, como arrosta-lhe o programa ideológico... (cf. Ct 7,10 x Gn 3,16).