De vez em quando, penso nas noções de tempo e eternidade. Na relação do tempo com a matéria, esta sofre contínua transformação no transcorrer daquele. Essa transformação parece partir da organização para a desorganização, da agregação para a desagregação, da harmonia para o caos. Se considerarmos, inclusive, o pensamento, concluiremos que este também sofre mudança com o passar do tempo. O efeito do tempo sobre a matéria, portanto, é a deterioração, o desgaste, o colapso molecular.
Se algum físico ou biólogo ou teólogo ler esses apontamentos, não repare a minha ignorância. Trata-se de reflexões livres, abertas às correções de quem eventualmente entenda melhor esses assuntos.
Bem, se o tempo traz consigo a decrepitude, e a duração impõe às coisas um prazo de validade, a morte é resultado da passagem do tempo. Diante disso, ponho-me a questão da ressurreição de Jesus e, por extensão, a ressurreição prometida pelo Novo Testamento.
Não há dúvida de que, do ponto de vista natural, a transformação da matéria é uma lei irrevogável. O tempo nada mais é do que mudança, não-permanência. Desse modo, eternidade poderia ser entendida como permanência, não-mudança?
Acredito que a Bíblia judaica (e sua variante, o Antigo Testamento cristão) não conhece, em relação a este universo, a ideia de eternidade. A palavra עוֹלָם ('olam) seria talvez melhor traduzida por "perpetuidade", isto é, a permanência de um costume, de uma lei ou de uma etnia através do tempo pela transmissão ou pela renovação, sempre dentro da realidade humana, que é terrena e finita.
O Novo Testamento, por sua vez, trabalha com a noção de αιων (aion), porém, é claro, utiliza as categorias de tempo e espaço inscritas na linguagem humana. Aqueles que "vivem" ou "reinam para sempre", cantam, suplicam, são elevados da terra ao céu (1Tessalonicenses 4.13-18; Apocalipse 7.9-17; 11.3-14; 22.1-5) - imagens nas quais está incrustada a dimensão da duração.
Todavia, se eternidade for permanência, não-mudança, logo, dentro das categorias deste universo, isso implicaria um congelamento, isto é, ausência de movimento, transformação e, no caso humano, pensamento. Caso eternidade seja o contrário do tempo, não pode haver vida na eternidade. Contudo, caso liguemos o conceito à promessa neotestamentária, restará compreender a eternidade como algo que não faz parte desta realidade e, por conseguinte, não tem nada a ver com movimento, ou tempo, ou espaço, ou sentimento! A metáfora que ouvi certa vez, segundo a qual, quando um passarinho terminasse de levar o último grão de areia da Terra à Lua, seria o começo da eternidade, é completamente inadequada para descrever o conceito. Eternidade e tempo não são noções antitéticas, já que, até onde sabemos, no universo não existe o contrário do tempo, um antitempo. Eternidade não é tempo sem fim. O tempo é a realidade que conhecemos. A eternidade é, em nossa experiência, apenas abstração.
Jesus ressuscitou e tornou-se eterno? Supondo que isso tenha acontecido, não teria sido o caso de um cadáver que voltou à vida nesta realidade. É provável que o túmulo vazio seja uma imagem a indicar que, após a sua morte, Jesus não pertence mais a este mundo. Entretanto, as suas aparições representariam a convicção de que Jesus continua a ser uma presença viva e atuante entre aqueles que crêem nele e, para estes, também no mundo. Na experiência de seus adeptos, Jesus teria se tornado um poder que transcendera a realidade de um defunto numa tumba: "(...) um jovem (...) vestido de branco (...) lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto." (Marcos 16.5, 6)
Não se trata de defender qualquer visão gnóstica. Não estou dizendo que outro morreu em lugar de Jesus. Estou admitindo que o homem Jesus morreu. Também não estou afirmando que um Cristo cósmico desligou-se do ser humano Jesus no momento da morte deste. Assumo o que diz o Novo Testamento: o Crucificado é o Ressuscitado!
Por outro lado, o que aconteceu historicamente com o corpo de Jesus não dá para saber. Deteriorou-se? Caso admitamos a lei incontornável da transformação da matéria, sim. Foi sepultado num túmulo desconhecido? É curioso que a tradição do túmulo vazio foi preservada nos quatro evangelhos canônicos (Mateus 28.1-10; Marcos 16.1-8; Lucas 24.1-12; João 20.1-10). Sim, preservou-se a tradição do túmulo vazio (que não aparece fora dos evangelhos), mas a localização do túmulo, não. Localizar o túmulo de Jesus para verificar se ele realmente não está lá negaria a crença no que Deus fez com ele.
O cadáver de Jesus negaria a fé em sua ressurreição? Se a ressurreição for assumida como evento historicamente literal de revivescência de um cadáver, sim. Se for confessada como esperança acerca da entrada numa forma de existir em relação à qual "as antigas coisas" deste cosmo (o tempo e seus efeitos de mutação sobre a matéria) passaram, não. É como se a imagem da tumba sem o cadáver fosse um sinal da fé: não se procura o Jesus que se crê onde termina a vida humana, já que ele não pode ser detido por aquilo que põe um ponto final à existência dos seres orgânicos. Nem mesmo se deve tentar achá-lo na mente humana, já que a fé não teria sido criada por esta. A fé surge do encontro. A Igreja crê que Jesus, após sua morte, voltou a encontrar-se com seus seguidores. Ele fê-lo (e, na fé, certamente o faz) numa modalidade de existência completamente diferente, que não é deste universo, porém, de algum modo, toca-o.
A ressurreição imortalizou Jesus, por ela Deus fez dele eterno. E, sendo eterno, não é deste mundo, não está no tempo, mas apresenta-se aos seres humanos temporais. Somente seres temporais têm fé. A fé espera por aquilo que será quando tudo mais deixar de ser. Contudo, como será aquilo que a fé espera é um mistério. Tampouco é possível perguntar quando será, já que o tempo, conforme foi dito, não está incluído nesse mistério. A vida, a partir do que sabemos, está ligada ao tempo e à mudança. A eternidade está ligada à fé. A fé espera por Deus, embora o que quer que ele venha a fazer (e como quer que queira fazer) continue desconhecido.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Se algum físico ou biólogo ou teólogo ler esses apontamentos, não repare a minha ignorância. Trata-se de reflexões livres, abertas às correções de quem eventualmente entenda melhor esses assuntos.
Bem, se o tempo traz consigo a decrepitude, e a duração impõe às coisas um prazo de validade, a morte é resultado da passagem do tempo. Diante disso, ponho-me a questão da ressurreição de Jesus e, por extensão, a ressurreição prometida pelo Novo Testamento.
Não há dúvida de que, do ponto de vista natural, a transformação da matéria é uma lei irrevogável. O tempo nada mais é do que mudança, não-permanência. Desse modo, eternidade poderia ser entendida como permanência, não-mudança?
Acredito que a Bíblia judaica (e sua variante, o Antigo Testamento cristão) não conhece, em relação a este universo, a ideia de eternidade. A palavra עוֹלָם ('olam) seria talvez melhor traduzida por "perpetuidade", isto é, a permanência de um costume, de uma lei ou de uma etnia através do tempo pela transmissão ou pela renovação, sempre dentro da realidade humana, que é terrena e finita.
O Novo Testamento, por sua vez, trabalha com a noção de αιων (aion), porém, é claro, utiliza as categorias de tempo e espaço inscritas na linguagem humana. Aqueles que "vivem" ou "reinam para sempre", cantam, suplicam, são elevados da terra ao céu (1Tessalonicenses 4.13-18; Apocalipse 7.9-17; 11.3-14; 22.1-5) - imagens nas quais está incrustada a dimensão da duração.
Todavia, se eternidade for permanência, não-mudança, logo, dentro das categorias deste universo, isso implicaria um congelamento, isto é, ausência de movimento, transformação e, no caso humano, pensamento. Caso eternidade seja o contrário do tempo, não pode haver vida na eternidade. Contudo, caso liguemos o conceito à promessa neotestamentária, restará compreender a eternidade como algo que não faz parte desta realidade e, por conseguinte, não tem nada a ver com movimento, ou tempo, ou espaço, ou sentimento! A metáfora que ouvi certa vez, segundo a qual, quando um passarinho terminasse de levar o último grão de areia da Terra à Lua, seria o começo da eternidade, é completamente inadequada para descrever o conceito. Eternidade e tempo não são noções antitéticas, já que, até onde sabemos, no universo não existe o contrário do tempo, um antitempo. Eternidade não é tempo sem fim. O tempo é a realidade que conhecemos. A eternidade é, em nossa experiência, apenas abstração.
Jesus ressuscitou e tornou-se eterno? Supondo que isso tenha acontecido, não teria sido o caso de um cadáver que voltou à vida nesta realidade. É provável que o túmulo vazio seja uma imagem a indicar que, após a sua morte, Jesus não pertence mais a este mundo. Entretanto, as suas aparições representariam a convicção de que Jesus continua a ser uma presença viva e atuante entre aqueles que crêem nele e, para estes, também no mundo. Na experiência de seus adeptos, Jesus teria se tornado um poder que transcendera a realidade de um defunto numa tumba: "(...) um jovem (...) vestido de branco (...) lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto." (Marcos 16.5, 6)
Não se trata de defender qualquer visão gnóstica. Não estou dizendo que outro morreu em lugar de Jesus. Estou admitindo que o homem Jesus morreu. Também não estou afirmando que um Cristo cósmico desligou-se do ser humano Jesus no momento da morte deste. Assumo o que diz o Novo Testamento: o Crucificado é o Ressuscitado!
Por outro lado, o que aconteceu historicamente com o corpo de Jesus não dá para saber. Deteriorou-se? Caso admitamos a lei incontornável da transformação da matéria, sim. Foi sepultado num túmulo desconhecido? É curioso que a tradição do túmulo vazio foi preservada nos quatro evangelhos canônicos (Mateus 28.1-10; Marcos 16.1-8; Lucas 24.1-12; João 20.1-10). Sim, preservou-se a tradição do túmulo vazio (que não aparece fora dos evangelhos), mas a localização do túmulo, não. Localizar o túmulo de Jesus para verificar se ele realmente não está lá negaria a crença no que Deus fez com ele.
O cadáver de Jesus negaria a fé em sua ressurreição? Se a ressurreição for assumida como evento historicamente literal de revivescência de um cadáver, sim. Se for confessada como esperança acerca da entrada numa forma de existir em relação à qual "as antigas coisas" deste cosmo (o tempo e seus efeitos de mutação sobre a matéria) passaram, não. É como se a imagem da tumba sem o cadáver fosse um sinal da fé: não se procura o Jesus que se crê onde termina a vida humana, já que ele não pode ser detido por aquilo que põe um ponto final à existência dos seres orgânicos. Nem mesmo se deve tentar achá-lo na mente humana, já que a fé não teria sido criada por esta. A fé surge do encontro. A Igreja crê que Jesus, após sua morte, voltou a encontrar-se com seus seguidores. Ele fê-lo (e, na fé, certamente o faz) numa modalidade de existência completamente diferente, que não é deste universo, porém, de algum modo, toca-o.
A ressurreição imortalizou Jesus, por ela Deus fez dele eterno. E, sendo eterno, não é deste mundo, não está no tempo, mas apresenta-se aos seres humanos temporais. Somente seres temporais têm fé. A fé espera por aquilo que será quando tudo mais deixar de ser. Contudo, como será aquilo que a fé espera é um mistério. Tampouco é possível perguntar quando será, já que o tempo, conforme foi dito, não está incluído nesse mistério. A vida, a partir do que sabemos, está ligada ao tempo e à mudança. A eternidade está ligada à fé. A fé espera por Deus, embora o que quer que ele venha a fazer (e como quer que queira fazer) continue desconhecido.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
A BÍBLIA SAGRADA: ANTIGO E NOVO TESTAMENTO. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
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