"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

segunda-feira, julho 09, 2007

O curupira

Um homem decidiu entrar numa floresta próxima para procurar alimento. Abria caminho na folhagem densa, andava com dificuldade e sujava os pés em trechos de muita lama, olhava atentamente ao redor na esperança de avistar alguma árvore com frutos ou animal que pudesse abater.

Depois de algum tempo, frustrado e ressentido porque não obtivera sucesso, amaldiçoou aquela floresta que se lhe mostrava tão hostil. Subitamente, ouviu detrás de si um barulho. Virou-se e percebeu um movimento em alguns arbustos ali perto. Aproximou-se devagar. Quando afastou os ramos, não viu nada. Inclinou-se ainda um pouco e notou marcas de pés que seguiam mata adentro. "Talvez seja alguém procurando comida também", disse consigo. E sem pensar muito mais, começou a acompanhar as pegadas.

Não entendia o que estava acontecendo. Já caminhava há bastante tempo, todavia não alcançara o autor das marcas. Curiosamente, as pegadas desenhavam uma trajetória confusa, que parecia levar mais para o interior da floresta. A vegetação se fechava ameaçadoramente em cima do homem, seu fôlego estava no fim. Para piorar, escurecia. Então, vencido pelo cansaço, faminto, em pânico, desmaiou.

Sentiu um calor no rosto, levantou-se com um grito. Uma fogueira! Cheirou algo que fê-lo desviar avidamente o olhar. Ao seu lado, um pouco acima de onde estivera apoiada a sua cabeça, havia um animal assado, talvez um porco do mato. Sobre as folhas que acomodavam a carcaça, encontravam-se algumas lascas de pedra, polidas, pontiagudas. Pegou-as e foi logo cortando pedaços de carne, os quais punha na boca com sofreguidão.

Quase engasgou! Um vulto no canto de seu campo visual chamara a sua atenção. Uma coisa o fitava, tinha olhos grandes, amarelos, esbugalhados. Possuía forma ligeiramente humana, baixa estatura, pele grossa como o tronco de uma árvore. O corpo era todo coberto de pêlos esverdeados, espessos, feito musgo. A cabeça precipitava até o chão uma longa cabeleira vermelha, na qual embolavam-se várias folhas secas. Da boca entreaberta, pendiam dentes enormes.

– Beba um pouco d'água, balbuciou a voz rouca. O homem permaneceu mudo. Um instante infinito, e esticou o braço para recolher o líquido das mãos espalmadas do bicho, que avançara em sua direção.

A água aliviara a garganta seca, o homem permanecia com a vista cravada naquele ser, de alto a baixo. Seus pés eram virados para trás! Entendeu tudo! Topara com o curupira!


– Vo-você é... é o curupira! Um demônio das matas!


A coisa baixou a cabeça, soltou um grunhido.


– Demônios não habitam florestas. Eles odeiam a vida. Costumam infestar lugares desertos e os corações dos homens.


O sujeito ficou surpreso com a resposta. Antes que pensasse em dizer algo, o bicho continuou:


– Amaldiçoaste a mata, certo de que ela te negava o que precisavas. Porém, a tua própria espécie, ainda que da natureza provinda, perpetrou contra ela traição cruel, negando-lhe o direito à vida.


Atordoado, o homem começou, trêmulo:


– Não tinha o que comer... entrei aqui... meu Deus...


– Deus? explodiu a coisa. Que sabes dele? Nosso Pai, de quem vós, homens, usurpastes a criação? Amada Mãe, cujos seios de amor tendes secado com vossa ganância, esgotando a terra, supliciando animais e plantas, matando os vossos semelhantes, reduzindo tudo aos interesses de vossas relações de compra e venda? Não! Não conheces a Deus! Tudo o que enxergas são os teus próprios demônios e por isso proferes maldições com a tua boca!


Um choro convulsivo ecoou por entre as árvores. O homem soluçava. Ali, sentado, sentiu o ser tocá-lo. Ergueu o olhar e foi confortado por um semblante terno. O curupira estava com pena dele.


– Essas lágrimas umedecem o teu interior. Reconheces que tu e os teus precisais reconciliar-vos com vossos irmãos?


O sujeito assentiu. A coisa o convidou a servir-se novamente da carne assada, a fim de que saciasse a fome. Adormeceu aos pés da criatura.


A claridade da manhã, que se esforçava por penetrar a mata fechada, despertou-o. Levantou-se. Olhou ao redor, o curupira desaparecera. Só restaram as cinzas da fogueira e os restos do animal que comera. Chegou a cogitar a possibilidade de ter sonhado, mas experiência alguma lhe parecera tão real. Adiante de si, havia uma trilha aberta na floresta. Seguiu por ela e logo encontrou uma clareira, na qual o sol forte fazia doer a vista. Alguns poucos minutos e avistava a civilização. Sentia-se revigorado. No corpo e no espírito.





6 comentários:

abstrato de tomate disse...

Rubem, Li o comentário da Júlia ni Itajovens mas preferi comentar aqui. De fato concordo que vc construi muito bem as imagens com as palavras, as descrições que vc fez prendem a atenção do leitor e fazem-no sair do papel e imaginar q cena. Não achei a linguagem assim tão rebuscada, pelo contrário, e gostei tb da personificação da natureza. Acho que vc deve escrever mais ficção tb e publicá-las mais vezes. E além disso, graças a Deus pelos estudos que vc faz, como o "Código da Vinci", por exmplo, é de admirar teu domínio no assunto, tua honestidade e clareza ap tratá-lo. Esclarece muitas dúvidas. Parabéns Professor!

Vinicius Marcelino

Fábio Aguiar disse...

Oi Rubem,

gostei de seu conto. Gostei de saber que vc tem esta veia literária. Ainda não a conhecia.

Realmente a defesa do meio ambiente deve ser alvo de nossos pensamentos e ações, pois na natureza está o nosso passado, presente e futuro.

Nela está a revelação mais perfeita de Deus.

Abração e que Deus continue a te abençoar.

Temos que parar pra conversar um dia destes, mas sem pressa. To com saudades de ti,

Fábio Aguiar

Espero uma visita sua em meu blog. fiz umas mudanças.

Anônimo disse...

Oi fio, sobre o conto:
cadê o sangue, a morte e os aliens?
brincadeirinhaaaaaa!!!!!!


falando sério: saquei o que vc quis ensinar, nossa sede de encontrar explicação é tão grande, tão faminta, que nos traz a decepção de não a acharmos naquele momento, no momento em que se busca com desespero...

entretanto, ela está onde menos se espera, onde é difícil achá-la, como uma mata densa e fechada... esquecemos de olhar pra dentro de nós mesmos, de que somos unidos a algo mais profundo, essa floresta densa está dentro de nós, é lá que achamos as repostas que procuramos, Deus está lá, no nosso coração. E é aí que entra o camarada curupira, Deus usa quem quer, quando quer e como quer... e é quem justamente menos imaginamos...

viu como o texto é rico? tem várias formas de interpretar! mas... o mais importante... onde o curupira achou fogo para acender a lenha? na mula sem cabeça, claro!

seu primo, marquinhos...

Anônimo disse...

o link do meu nome foi errado!
tava vendo desenho do he man no youtube!
hauhauhauauauauhauauah

Anônimo disse...

Muito bom o conto.
Reverenciar a natureza é ser reverente ao Criador.
Encher a terra e sujeitá-la
(Gn 1.28) não pode ser de forma alguma tratar dela com indiferença ou irresponsabilidade.
A criação atesta a glória do Criador.
Um abração e parabéns pela fluência da história.
André, Pancinha!

Marcos Vichi disse...

O ser humano confunde o conceito citado em Gênesis 1:28: "E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra."

Nós não somos donos da natureza, mas adinistradores. Precisamos cuidar melhor do patrimônio que Deus nos confiou.

Um abraço,

Marcos Vichi