"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

terça-feira, outubro 31, 2006

A Bíblia [1].


Na Bíblia judaica, encontramos a palavra sêfer [1] (livro) designando tanto registros genealógicos (p. ex. Gn 5.1) como documentos contendo palavras de um profeta (p. ex. Jr 36.2/43.2 [LXX]; Dn 9.2). Na Septuaginta (LXX) - uma versão para o grego da Bíblia judaica que possui, ainda, variados acréscimos - utiliza-se nessas passagens as palavras bíblos [2] e biblíon [3]. Evidentemente essas ocorrências não encerram o significado que o termo “Bíblia” possui atualmente, mesmo porque se referem a materiais isolados e não a um determinado número de livros reunidos e canonizados, isto é, considerados sagrados em seu conjunto. Entretanto, a expressão grega tó biblíon [4] (o livro), especificamente o seu plural tá biblía [5] (os livros), é que está na origem da palavra em português.

No prólogo do livro do Eclesiástico ou "Sabedoria de Jesus, filho de Sirac" (cf. Eclo 51.30), produzido originalmente em hebraico no séc. II a.C. e depois vertido para o grego, constando na LXX, indica-se, provavelmente, a existência de pelo menos duas coleções de livros para a instrução (Pról., 1-3) [Obs.: As expressões entre parêntesis na transliteração das palavras em grego assinalam a pronúcia do termo anterior, para evitar confusão.]: pollôn kai megálon hemin (remin) diá tu nómu kai tôn profetôn kai tôn állon tôn kat' autus ekolutekóton dedoménon, hupér (ruper) hon (ron) déon estin epainein tón Israel paidéias kai sofias (...) [6] [Muitas e grandes coisas foram dadas para nós através da lei e dos profetas e dos outros que seguiram a eles depois, pelas quais é preciso louvar Israel, sua instrução e sabedoria (...)].

No Novo Testamento grego, encontramos as expressões hó (ró) nómos kai hói (rói) profêtai [7] [a lei e os profetas] (p. ex. Mt 7.12) e hó (ró) nómos Mouséos kai hói (rói) profêtai kai psalmói [8] [a lei de Moisés, os profetas e os salmos] (p. ex. Lc 24.44), as quais designam já livros recebidos pelas comunidades judaicas como possuindo autoridade religiosa. Cabe lembrar, todavia, que eles ainda não representam um conjunto fechado de literatura sagrada, pois parece que os distintos partidos religiosos dentro do judaísmo mediterrâneo no 1o século da era cristã tinham cada qual as suas preferências por determinados livros em detrimento de outros. Entre os primeiros grupos cristãos, os escritos hebraicos do judaísmo, e também suas versões em grego, são, sem dúvida, referência para a espiritualidade. E isso, certamente, incluía outras obras que circulavam e eram apreciadas nas comunidades – p. ex. escritos apocalípticos, tais como o 1o Livro de Enoque e o Testamento de Moisés, cuja citação é explícita ou sugerida na Epístola de Judas (9, 14-15).

Outra palavra importante do vocabulário do Novo Testamento grego utilizada para designar produções literárias consideradas sagradas é grafê [9] [escritura] (p. ex.: Mt 26.54; 2Pd 1.20). Curioso sobre essa palavra é que, na 2a Epístola de Pedro, ela é mencionada juntamente com os escritos de Paulo da seguinte forma: Considerai a longanimidade de nosso Senhor como a nossa salvação, conforme também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada. Isso mesmo faz ele em todas as suas cartas, ao falar nelas desse tema. É verdade que em suas cartas se encontram alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e os vacilantes torcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição (3.15-16; BJ). Isso pode indicar uma época em que os escritos paulinos já adquiriram em certas comunidades um status normativo em matéria de fé e conduta ao lado dos livros sagrados provenientes do judaísmo.

Algumas palavras sobre o livro de Qohélet [1].


Qohélet [1] é o termo hebraico correspondente ao grego Ekklesiastes. Tanto um como outro designam provavelmente uma pessoa que se dirige a uma assembléia ou grupo de pessoas. Assim, Jerônimo (c. 340 – 420), em sua versão da Bíblia para o latim, traduziu a palavra para “contionator” (orador popular). Mas Martinho Lutero (1483 – 1546), ao verter o termo hebraico para o alemão (“prediger” = “pregador”), restringiu-o ao ambiente eclesiástico (obviamente mais adequado ao séc. XVI do que ao contexto histórico em que foi produzida a obra) [2]. Um dos epílogos do livro parece indicar o Qohélet como um colecionador de provérbios (12.9bβ), além de um mestre do povo (12.9bα) [3].

A palavra “qohélet” (particípio feminino da raiz qahal, “reunir em assembléia”), da forma como é utilizada ao longo do livro [4], parece ser um nome próprio, conforme acontece com algumas formas paralelas encontradas em Ed 2.55, 57; Ne 7.57, 59, originalmente designativos de funções, mas agora utilizados como nomes próprios. O que coloca uma dificuldade em relação a essa hipótese é o fato da palavra vir precedida de um artigo em 12.8 [e, talvez, 7.27] [5] (haqqohélet), o que indicaria estar se referindo a uma função [6].

Pelo título do livro (1.1) e uma espécie de resenha autobiográfica (1.2 - 2.11), dá-se a entender que quem fala é Salomão (cf. 1Rs 5.1-14; 10.1 - 11.1). A tradução judaica antiga sustentava que os livros de Cântico dos cânticos, Provérbios e Eclesiastes representariam três fases da vida do filho de Davi: juventude (ênfase no amor), maturidade (ênfase em problemas práticos) e velhice (ênfase na fugacidade da vida) [7]. Muitos pesquisadores atualmente, entretanto, baseando-se na linguagem e na estrutura do livro, consideram difícil atribuir ao rei sábio do séc. X a.C. a autoria [8]. Talvez a auto-apresentação de Qohélet como Salomão sirva à apreciação do tema da obra: o ser humano não obtém a felicidade acumulando riquezas, executando grandes empreendimentos ou colecionando paixões amorosas para si. A felicidade se experimenta no desfrute daquilo que o trabalho pode proporcionar (2.24; 3.12-13; etc.) em solidariedade e companhia (4.7-12; 9.7-9), pois Deus, de quem vem tais dons, agrada-se disso (2.24; 9.7).

Qohélet é um crítico da sabedoria do seu tempo. Para ele, a observação da vida apenas permite concluir que não se pode desvendar como Deus realiza a sua obra (3.11; 8.16-17). A doutrina da retribuição - para os que fazem o bem sucede o bem e para os que fazem o mal o contrário - não se verifica sempre na prática (8.10-14). Qohélet tem consciência da distância que separa o ser humano e Deus (5.1[2]). Para ele Deus tem poder sobre as obras humanas e não se deixa enganar com palavras vazias (5.3[4]-5[6]). Qohélet demonstra a sua reverência por Deus quando o apresenta como o insondável, cuja obra ninguém conhece (11.5), o criador do homem e fonte da retidão (7.29), doador e retomador do sopro vital dos seres vivos (3.18-21; 12.7), requerente das promessas que lhe fazem (5.3[4]-5[6]).

Notas:

[1] Alguns autores preferem a grafia “Coélet”.

[2] LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p. 430.

[3] É geralmente reconhecido que a obra possui dois epílogos distintos não escritos por Qohélet. Cf. Ibid, p. 413-14.

[4] A palavra é utilizada sete vezes: 1.1, 2, 12; 7.27; 12.8, 9, 10.

[5] O aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia, tomando por base 12.8 e o texto grego – eipen ró ekklesiastés, “disse o Eclesiastes” – propõe como possibilidade de leitura, além de ’amrah qohélet, “disse Qohélet” (com o verbo na forma feminina), ’amar haqqohélet, “disse o Qohélet” (com o verbo na forma masculina).

[6] Embora considere que o termo Qohélet se refere a um homem, Fohrer apresenta a tradução aproximada “aquela que reúne”. FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento, p. 499. Para Sandro e Ana Maria Rizzante Gallazzi, “Qohélet nada mais é do que uma pessoa que está presente na reunião. [...] É simplesmente alguém que está lá, que está presente. Não é o pregador, não tem tarefas na reunião. É um simples membro, justamente o que seria uma ‘mulher’ na sinagoga judaica. [...] Parece-nos correto e gostamos de pensar em Qohelet como uma mulher, certamente não a única, descritiva das e dos ‘demais’, do ‘povo em geral’, das que não são autoridades nem civis, nem militares, nem religiosas. Uma ‘qohelet ninguém’, mas que um dia cria coragem e fala!” GALLAZZI, Sandro e Ana Maria Rizzante. O teste dos olhos, o teste da casa, o teste do túmulo (Uma chave de leitura do livro de Qohelet). In: REVISTA DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA LATINO-AMERICANA, n. 14 – 1993/1, p. 55. Líndez cita autores para os quais Qohélet personifica a Sabedoria ou algum tipo de associação (a academia ou a assembléia). LÍNDEZ, José Vílchez. Op. Cit., p. 427, nota 20.

[7] LÍNDEZ, José Vílchez. Op. Cit., p. 12, nota 2.

[8] Cf. Ibid., p. 11-14.

Referências Bibliográficas:

BIBLIA HEBRAICA STUTTGARTENSIA. 4. ed. Deutsche Bibelgesellschaft Stuttgart: Stuttgart, 1990. 1574 p.

FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. Trad. D. Mateus Rocha. São Paulo: Paulinas, 1977. 825 p. 2 vol.

LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1990. 510 p.

RAHLFS, Alfred. Septuaginta. Deutsche Bibelgesellschaft Stuttgart: Stuttgart, 1979. Volume único.

REVISTA DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA LATINO-AMERICANA, N. 14 – 1993/1. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1993.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Zoando, mas falando sério: uma reflexão sobre o texto "O Ateu" que o Romão me mandou.

Com esse texto você acabou de assassinar o cristianismo que você mesmo defende. O texto afirma que:

1 - Deus só leva em consideração as pessoas que acreditam nele.
Jesus, por outro lado, segundo o quarto evangelista (se bem que não há clareza se ele atribuiu ou não essas palavras a Jesus), teria dito que Deus amou O MUNDO e, por isso, deu o seu único Filho para que a VIDA ETERNA (posto que o milagre da vida Ele o deu a todos) seja alcançada por aqueles que crêem. O NT nunca disse que A RESPEITO DESSA VIDA AQUI haveria mais ou menos privilégios para um ou outro, que esse ou aquele seria mais ou menos objeto da atenção do SENHOR. Além do mais, o amor de Deus não é absolutamente dado depois de alguns seres humanos terem crido, mas bem antes, independente de crerem ou não. O crer no Filho para ter a vida eterna é uma oportunidade dada ao mundo que foi amado por Deus antes!

2 - Deus não suporta os ateus.
Jesus, segundo o Evangelho de Lucas, teria, ao contrário, se enfurecido com os seus seguidores por não aceitarem eles que alguém não recebesse Jesus e se posicionasse, assim, contra a verdade absoluta deles, que eles acreditavam ser aquele homem magnífico que seguiam. Eles até acreditavam que Deus poderia atender o seu pedido, como supostamente atendera ao de Elias, de mandar descer fogo do céu e consumir aqueles insolentes (olhe só que fé, que piedade!). Jesus os repreende por não saberem a que espírito pertenciam (ué, mas não estavam seguindo Jesus?), e não concorda que o fogo do céu seja o destino daqueles que não o receberam. E aí vem você e mostra Deus autorizando um urso a acabar com aquele que não acreditava. Pior, Deus mesmo torna o urso cristão!!! Acho que o urso não matou só o ateu, não. Acho que matou Jesus junto...

3 - Deus tem mais prazer com a verdade do que com a vida.
No seu texto Deus faz milagres - o tempo parar, o rio estacionar, o urso falar e, ainda por cima, orar! - para condenar à morte um coitado que estava simplesmente usufruindo o direito dado por Deus mesmo (segundo uma fé minimamente cristã) de pensar diferente da religião cristã! Jesus, segundo os evangelistas, por colocar a vida acima da verdade, foi morto por aqueles que colocavam a verdade acima da vida. E vem Pilatos e (conforme relata o quarto evangelista), diante daquele homem que ousou desafiar o sistema político dos romanos e o legalismo da religião judaica da época (ou seja pensar diferente da verdade estabelecida, que convinha a alguns), faz a pergunta mais cínica da história: "Que é a verdade?" Ah, me poupe!

4 - Deus precisa se justificar diante de teorias humanas com teorias humanas (!).
O ateu é entregue à morte por Deus por optar pela teoria “humana”, “satânica”, “mentirosa”, “fatalista”, “dos homens sem fé”, “tendenciosa”, “positivista”, etc, etc, etc. da evolução das espécies. Ora, que eu saiba, quem sempre produziu e articulou, e produz e articula ainda, qualquer discurso sobre a criação foram e são somente os seres humanos. Seres humanos que, valendo-se da univocidade de acesso ao Sagrado, um sem-número de vezes agiram e agem (mesmo na Bíblia) de forma satânica, mentirosa, fatalista, de homens sem fé, tendenciosa, positivista, etc, etc, etc. A idéia da criação é exatamente isso, uma idéia, coisa da cabeça de gente, idéia inclusive bastante fácil de elaborar, pois se é da natureza humana criar e esmerar-se para criar sempre melhor, é lógico que a natureza, que é algo esplendoroso, incomparável, só poderia ser interpretada pela utilização do mesmo raciocínio: algo maravilhoso assim só poderia ser criado por alguém que é pessoa como eu, porque só pessoas são capazes de criar. Se Deus é Deus, como o cristianismo diz que é, não me parece que ele precise se incomodar tanto com o livre exercício do pensar por parte dos seres humanos. Afinal de contas, (supõe-se) Ele os criou para isso mesmo, para passar a vida toda tentando entender o que é o universo. "Cada cabeça, uma sentença". Portanto, cada pessoa uma idéia, cada idéia uma teoria. E se Deus for se incomodar com isso, ele estará contradizendo a sua própria criação. Mas o problema não está em Deus, mas nos seres humanos, evolucionistas ou criacionistas, estes, talvez, pior do que aqueles, porque querem definir o sagrado indefinível em que dizem acreditar. Alguns evolucionistas, em todo caso, nem acreditam em Deus mesmo... Jesus – segundo as palavras atribuídas a ele pelos evangelistas sinóticos, especificamente Mateus – é o melhor exemplo de alguém que não tenta justificar Deus com teorias humanas: referindo-se à interpretação da lei do Pentateuco, ele teve a coragem de dizer que a sua interpretação da lei não era a dos antigos, a dos fariseus ou tampouco uma interpretação autorizada pelo próprio Deus em pessoa. Parafraseando Jesus em Mateus: "O que eu digo a respeito da lei, meus caros, SOU EU MESMO QUE DIGO!"

Bem, acho que já deu para sentir que o ateu mesmo é você, não? Pelo menos em relação ao Deus do Jesus do NT, no qual você, paradoxalmente, diz crer. Cuidado com o urso!

Criados para serem felizes?

Já ouvi algumas pessoas dizerem que Deus não criou os seres humanos para serem felizes, mas apenas para cumprir propósitos determinados por ele. Sinceramente, discordo dessa opinião, uma vez que a posição do Qohélet, em especial, e da Bíblia, no geral, não parece ser essa. A começar pela experiência fundamental da fé judaica que é o êxodo - a libertação de escravos hebreus do jugo do império egípcio para viverem em liberdade e justiça em uma terra boa e fértil. A Bíblia também testemunha que houve aqueles, entre os próprios israelitas, que se opunham a essa liberdade em prol de seu próprio bem-estar e lucro em todos os sentidos. Os profetas, por exemplo, protestam em vários momentos contra a opressão perpetrada pelas monarquias israelita (no norte) e judaica (no sul), as quais tornavam a experiência de boa parte das populações daqueles reinos novamente uma escravidão e uma angústia. É a favor do igualitarismo e da vida e contra a concentração do poder e da riqueza que vários textos bíblicos recriminam reis, sacerdotes, profetas e cultivadores de uma cultura de sabedoria que, mesmo se utilizando de ideologias supostamente fundamentadas em determinações do SENHOR, obscureciam a glória de Deus, cuja manifestação mais clara só poderia ser o bem-estar do ser humano: "Pouco menor do que Deus o fizeste (o ser humano); de glória e de honra o coroaste e lhe deste domínio sobre as obras das tuas mãos" (Sl 8.5-6).

Do mesmo modo, a glória de Deus resplandece no NT em sua expressão máxima com Jesus de Nazaré, um ser humano. A encarnação é a prova por excelência de que a pessoa humana não é simplesmente um boneco de barro sem valor, mas o lugar último de manifestação e realização no mundo da presença de Deus. A atitude do homem Jesus, pregador do reinado de Deus e dispensador de suas novas - entre as quais: alimento aos famintos, bens aos pobres, dignidade às prostitutas, adúlteros e pecadores -, não deixa dúvidas quanto ao desejo de Deus de (re)estabelecer no ser humano um novo referencial de existência: vida, liberdade, justiça, amor, serviço. E foi por acreditar nisso e viver isso até as últimas conseqüências que ele morreu - "Foi obediente até a morte e morte de cruz" (Fp 2.8). O Cristo ressuscitado, cujo fulgor irradiou do túmulo escuro na madrugada do primeiro dia da semana, de acordo com a experiência, esperança e proclamação daqueles que o acompanharam até o fim, anuncia o destino último do ser humano: ter em si próprio, sem quaisquer obstáculos ou limitações, a própria vida do Criador. É curioso que o Ressuscitado viva, inclusive, na vida de seus seguidores e por eles continue a obra que o Pai lhe dera: "Estarei convosco todos os dias, até a consumação do século" (Mt 28.20). Se somos seguidores de Jesus, e cremos que ele vive em nós pelo Espírito, não temos outra missão senão a de anunciar às pessoas os referenciais de (nova) existência trazidos por ele: vida, liberdade, justiça, amor, serviço.

Concordo que nossa época é marcada por extremos. Há aqueles que insistem em reduzir o sentido do ser humano a si próprio enquanto indivíduo, mesmo que isso implique desprezar o homem enquanto outro, comunidade e espiritualidade. De igual modo, não faltam os que só conseguem enxergar no ser humano uma nobreza que não pode estar nele próprio, conquanto ser-no-mundo, mas além dele próprio, na dimensão do "espírito". A mulher e o homem são espiritualidade e corporalidade, e qualquer idéia religiosa que proponha separar esse tecido indivisível é equivocada. Se são os seres humanos que percebem a manifestação de Deus no mundo - pois para eles e por eles se manifesta -, e o fazem com a totalidade do seu ser (Lc 24: os dois discípulos perceberam Jesus entre eles no momento da refeição, ocasião de suprimento do corpo e celebração da hospitalidade e da amizade), não há argumento teológico que justifique uma dissecação do ser humano em busca de uma parte dele que seja "melhor" do que outra.

Não, não concordo que Deus, ao criar o ser humano, não tenha tido em vista fundamentalmente a felicidade de sua criatura; e, pela prática do projeto de Deus (vida, liberdade, justiça, amor, serviço), também a felicidade de todas as demais criações do SENHOR. E isto conclui Qohélet: "Eis o que observo: a felicidade que convém ao homem é comer e beber, encontrando a felicidade em todo trabalho que faz debaixo do sol, durante os dias da vida que Deus lhe concede. Pois esta é a sua porção. Todo o homem a quem Deus concede riquezas e recursos que o tornam capaz de sustentar-se, de receber a sua porção e desfrutar do seu trabalho, ISTO É UM DOM DE DEUS" (Eclesiastes 5.17[18]-18[19]).

Que Deus abençoe a todos.