"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

domingo, março 06, 2011

Jacó e o "homem" do Jaboque: um causo pra ouvir e pensar sobre a gente

Novo Hamburgo, 06 de março de 2011.

Paróquia Evangélica de Confissão Luterana Espírito Santo


INTRODUÇÃO


Nesta época, as pessoas vão às ruas ou às passarelas do samba para participar do espetáculo do carnaval. As escolas de samba vão embalar as multidões contando histórias com muita criatividade. E se a gente também ouvisse uma boa história hoje? Vamos ler Gênesis 32.23-33.

Essa é uma história popular, muito antiga, mais antiga que a Bíblia. É como os “causos” que nossos avós e outros parentes contavam. Ao querer atravessar o rio Jaboque por um vau, isto é, um trecho mais raso, Jacó briga com um “homem” misterioso durante a noite toda e termina com a coxa machucada. O tal homem desaparece pouco antes de surgir o sol.

Isso me parece um conto de assombração. Ué? Mas na Bíblia tem isso? Tem! E sabe o que é mais legal? Israel soube ler, nesses “causos que o povo contava”, como os seus antepassados e Deus aproximaram-se e estiveram juntos no dia-a-dia da vida. Porque as histórias que a gente conta e que a gente ouve são sobre nós mesmos, nossos medos, nossas dores, nossas superações, nossas crenças, nossas espiritualidades.

Que tal saborear um pouco essa história e pensar algumas coisas sobre as espiritualidades da gente? Digo “espiritualidades” porque cada um de nós tem a sua, com a cara de cada um de nós, embora haja sempre elementos comuns e a base de todas elas pretenda ser a mesma: a fé em Deus orientada pela vida de Jesus.



  1. CUIDAR DAQUELES A QUEM AMAMOS (23-24)


Se bem que seja possível pensar nela como um conto de assombração, essa é, também, a história de um homem e das pessoas que lhe são importantes. Jacó encarrega-se da travessia da sua comitiva, composta por suas mulheres, suas escravas domésticas, seus filhos, seus servidores e seus animais.

Aqui há um jogo de palavras no hebraico, o qual, caso traduzíssemos literalmente, seria: “vadearam o vau”. É possível que, ao mostrar Jacó fazendo-os vadear, a história queira dizer que ele estava preocupado em cuidar deles, da sua segurança. Mesmo que por um local pouco profundo, cruzar um rio sempre envolve um risco. Desse modo, Jacó mantém-se ao lado dos seus queridos quando eles precisam atravessar.

A nossa família, os nossos amigos, as nossas comunidades estão vadeando vaus toda hora. São experiências escolares, emocionais, financeiras, lutuosas, enfim, de todo tipo. Onde estamos nessas horas? Ao lado deles, amparando-os quando vadeiam esses vaus?



  1. QUERER COISAS BOAS PARA NÓS E PERSISTIR EM BUSCÁ-LAS (25-29)


Depois de ajudar a comitiva a passar para o outro lado, Jacó depara-se com um “homem” e eles começam a brigar. Nas culturais mais ancestrais, acreditava-se que a natureza toda era um ser animado. A natureza não era feita de matéria-prima, mas de vida. Sendo assim, junto às árvores, aos desertos, aos rios havia poderes que vigiavam esses lugares e, de certo modo, personificavam toda a força e todo o movimento que se notavam ali. Daí, nesse relato, a força de vida do riacho ser personificada por “um homem”, como quer que queiramos chamá-lo: “ser divino”, “aparição”, “fantasma”, etc.

Ele opõe-se a Jacó, os dois brigam e Jacó termina machucado. A história acaba aqui? Não. Ela continua a ser contada ao longo do tempo e outros vão reconhecendo nela a evidência de algo maior, que passa a fazer parte do texto de forma mais explícita.

Em primeiro lugar, apesar de machucado, Jacó não se deu por vencido, pois queria algo bom para si: receber a bênção daquele ser. Isso não deve nos surpreender, pois, a essa altura, a fé no Deus dos hebreus como a autoridade última sobre todas as coisas já está a enriquecer o sentido do nosso conto. Inclusive, Jacó havia orado antes ao Deus de seus pais, pois precisava que este o protegesse de seu irmão, Esaú, que ele estava indo encontrar (Gn 32.9-11).

Em segundo lugar, a persistência de Jacó em experiências passadas fez dele uma pessoa mais robusta diante da vida. Talvez seja esse o significado que a história queira dar ao nome “Israel”, com o qual o ser renomeia Jacó: ele tornou-se um homem melhor, na medida em que persistiu em buscar coisas saudáveis, positivas (família, trabalho, fé, bons relacionamentos), mesmo diante das dificuldades. A etimologia popular da história faz o homem misterioso lhe dizer: “Com deuses e homens tu te desentendeste, mas prevaleceste.”

Qualquer tempo é tempo de procurar por aquilo que é digno de ser buscado, que nos tornará pessoas melhores, que dará rumo e sentido à nossa vida. Não importa se formos mais rápidos ou mais lentos para alcançar, o fundamental é querer coisas boas e persistir em buscá-las.



  1. PROCURAR POR DEUS E PELO BEM NAS DIVERSAS SITUAÇÕES (30-31)


Na forma como a recebemos hoje, nossa história reconhece que Jacó encontrou-se com o próprio Deus que será o Deus de seus descendentes, os israelitas.

É curioso observar que Jacó saiu ferido da luta. No entanto, ele conseguiu perceber que Deus esteve envolvido no episódio, de modo que a sua vida fora tirada do perigo. Em outras palavras, Jacó foi conservado vivo.

Obter respostas para o sofrimento quase nunca é possível. Entender como Deus está relacionado às coisas ruins que acontecem também é uma equação difícil de resolver. Mas procurar pelo bem, isto é, avaliar o que pode ser (ou permanecer, ou resultar) positivo numa situação ruim talvez ajude a lidar melhor com ela.

Procurar pela companhia de Deus poderá auxiliar-nos com nossas dores, na medida em que lhe dizemos o que sentimos. Jacó estava com a coxa deslocada, mas disse que, ao encontrar-se com Deus, sua vida havia sido salva. Pode ser que as “faces de Deus” não representem para nós um direito de receber todas as respostas, porém um convite para dirigirmo-lhe todas as perguntas e todo o desconsolo, ao mesmo tempo, ampliando nosso olhar para ver que bem há em meio às circunstâncias nas quais nos encontramos.


CONCLUSÃO


Através desse conto bíblico de “assombração”, pudemos pensar na importância de cuidarmos daqueles a quem amamos. Fomos também incentivados a querer coisas boas para nós e persistir em buscá-las. Quanto às diversas situações que nos sobrevêm, consideramos a oportunidade de procurar por Deus e pelo bem que pode haver nelas, a fim de vivermos melhor.

Fiquem com Deus e uns com os outros.

3 comentários:

Sua Carla disse...

O Ruben é meu teólogo favorito!!!

Coélet Turismo disse...

Olá Ruben!
Gostei deste texto, achei interessante a abordagem utilizada, embora eu tenha que admitir um certo incômodo quando você se refere ao texto como um conto de assombração. Rsrsrs.

Escreva mais!

Um abraço.

Ruben Marcelino disse...

Obrigado, Meu Amor!!!