"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Ensaios sobre a expressão "Palavra de Deus" [1]

Gostaria de apresentar a vocês alguns apontamentos sobre a expressão “Palavra de Deus”. É uma expressão complexa, por isso vou tentar, a partir de hoje, apresentar alguns sentidos possíveis que podem ser percebidos nos textos bíblicos.

A Palavra de Deus pode ser percebida, em primeiro lugar, na palavra da lei. Em Êxodo 20, há uma introdução aos mandamentos do Decálogo ético. Para efeito de esclarecimento, decálogo quer dizer dez palavras. É um termo técnico, nesse caso, para os conhecidos “dez mandamentos”. A introdução de que falei é a seguinte: “Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo” (v. 1). Compreende-se que as dez palavras que foram ouvidas por Moisés e escritas em tábuas de pedra (de acordo com Êxodo 34.28) são palavras de Deus. Por extensão, as regulamentações do chamado “Código da Aliança” (Êxodo 20.22 – 23.19) são também consideradas palavras de Deus.

Em que sentido se pode dizer que Deus falou? Segundo penso, é preciso ir além da pura identificação da manifestação de Deus com o fenômeno da comunicação verbal, própria do ser humano. A experiência no monte Sinai, seja ela tomada ou não literalmente, representa uma percepção da conduta ética como reflexo da presença de Deus entre o seu povo. Evidentemente, essa percepção é humana, portanto sujeita àquilo que é próprio do contexto cultural em que a revelação se dá. No entanto, essa percepção, conquanto humana, é testemunha de que Deus se manifestou. Os códigos de leis são produtos da dinâmica social humana, contudo se crê que Deus se expressa neles. Essa observação é importante porque por ela se pode entender que esses códigos podem e foram discutidos ao longo da caminhada de Israel com o seu Deus. Situados no tempo e no espaço, não podem prever todas as situações possíveis à sociabilidade humana. Assim, podem ser adaptados ou revistos, sem perder necessariamente o seu caráter de testemunha da revelação de Deus. Precisamente porque é o ser humano quem os cria, precisam ser vistos e revistos em prol daquilo que é capaz de contribuir para a preservação da vida e da dignidade humana, o que realmente importa em última instância. No evangelho de Mateus, percebemos em Jesus um exemplo claro de reverência pela testemunha escrita da manifestação de Deus, a letra da Lei, ao lado de uma ampliação do alcance dos mandamentos. Experimente ler e refletir sobre Mateus 5, 6 e 7. De igual modo, Jesus é capaz de reinterpretar uma lei utilizando um princípio mais amplo. Um caso é o da mulher surpreendida em adultério, conforme narra o Quarto Evangelho (João 7.53 – 8.11).

Finalizo essa primeira parte do estudo esclarecendo que a experiência de encontro com a Palavra de Deus pode se dar de várias formas, como satisfatoriamente o atestam os variados textos bíblicos: sonhos, visões, audições, textos sagrados, ritos expiatórios e de consagração, etc. É importante, todavia, entender que esses elementos não são a Palavra, isto é, não devem ser identificados diretamente com a Palavra. Eles são, isso sim, mediadores do encontro com a Palavra. A Palavra de Deus é Deus mesmo manifestando-se ao ser humano para lhe trazer a salvação. Não é sem razão que o autor do evangelho de João dirá que a Palavra habitou entre nós e vimos a sua glória. Essa Palavra, segundo ele, é Jesus Cristo (João 1.14,17).


Um comentário:

Marcos Vichi disse...

Olá Ruben,

É necessário que aquele que ouve a palavra de Deus tenha consciência da limitação humana para compreender o todo-poderoso. Nenhum de nós tem a verdade final e todos podemos ouvir a sua voz das mais diversas formas.

A experiência com Deus nos transforma, nos torna mais humanos e capazes de amar o próximo como a nós mesmos. Diante deste parâmetro, como é que podemos classificar a nossa capacidade de assimilar a palavra divina?

Um grande abraço,

Marcos Vichi
http://compartilhandopalavras.blogspot.com