"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

quinta-feira, março 29, 2007

As virtudes teologais [6]: A esperança


Esperança: ocupei-me desta palavra no tópico anterior; ela representa uma das três virtudes teologais apresentadas em 1Co 13.13. Finalizo aqui o estudo sobre a esperança, que vocês poderão talvez prosseguir em suas reflexões bíblicas pessoais. Conforme já fizera, irei atrás de ocorrências de palavras que possuam esse significado para ver o que se pode descobrir sobre essa virtude.


No Antigo ou Primeiro Testamento da Bíblia cristã, a palavra tiqeváh [1] – sobre a qual falei a propósito de Rt 1.12-13aα e 4.14aβ-15 – reaparece várias vezes no livro de Jó. Pretendo destacar aqui a sua utilização em Jó 19.10: “Ele me quebrou por todos os lados e eu vou; ele arrancou a minha esperança como uma árvore.” Jó se refere a Deus. Pode-se constatá-lo no versículo 6: “Sabei, então, que Eloáh me torceu; ele fez sua rede cair sobre mim.” “Eloáh” [2] é a palavra hebraica para “Deus” nessa passagem. O protesto de Jó sempre me surpreende. Mostra o quanto dói ser vítima de uma fatalidade, ser acusado injustamente ou sentir-se abandonado. A mágoa de Jó é contra os seus amigos e contra Deus. De um lado, Elifaz, Bildad e Zofar punham em dúvida a integridade do sofredor. De outro lado, Deus o massacrava sem ele nem mesmo saber por quê. O livro de Jó pergunta pela justiça de Deus diante do sofrimento de um inocente. Não há a preocupação de desresponsabilizar Deus pela desgraça de algum modo, embora seja preciso levar em conta a ação direta de uma personagem que fica entre o Senhor e Jó tentando pôr à prova a credibilidade da devoção deste. Chamada de “o satã” (hassatân) [3], isto é, “o adversário”, essa figura se mostra hostil a Jó. “A permissão do sofrimento por Deus, contudo, atende à finalidade de refutar uma acusação levantada contra Jó, a saber, de que a religiosidade de Jó não seria desinteressada.” (1) – Cf. Jó 1 e 2. Todavia, o justo Jó crê num Deus ao qual se pode apelar, mesmo que com violência e ressentimento. E mais: a fé que Jó possui não admite que Deus fique impassível diante da injustiça. “Eu sei: o meu resgatador está vivo e por fim ficará de pé sobre o pó. Depois de destruírem minha pele, mesmo em minha carne verei Eloáh” (19.25-26). Esses versículos, muito difíceis de traduzir, parecem sugerir que Jó acreditava numa intervenção de Deus em seu favor, por pior que se tornasse o seu estado de saúde. O go'el [4] (resgatador), de cuja menção no livro de Rute já tratei, era, no antigo direito israelita, aquela pessoa que deveria comprar a propriedade de um parente endividado para evitar a alienação do bem e que também assegurava a continuação da descendência no caso de uma viuvez sem filhos (cf. Lv 25.24-25; Dt 25.5-10). Na compreensão de Jó, ainda que não sem choro ou revolta diante da calamidade, Deus não o deixaria desamparado.


O Salmo 40 abre-se com a forma verbal qaváh [5], que dá origem à palavra tiqeváh. O verbo é utilizado de modo intensivo e é repetido “[...] para intensificar a idéia verbal.” (2) Poderia traduzir, então, o primeiro verso assim: “Eu esperei, esperei YHWH e ele se voltou para mim e ouviu o meu grito por socorro” (40.2). A leitura pode nos ajudar a partilhar dessa atitude do salmista, isto é, a esperança de que o Senhor ouve e salva. Experimente, leia o salmo!


Notas:


(1) ZENGER, Erich. Introdução ao Antigo Testamento, p. 303.


(2) “Muitas vezes o infinitivo absoluto é colocado na frente de uma forma conjugada da mesma raiz para reforçar ou intensificar a idéia verbal.” KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma gramática introdutória, p. 221.


Referências Bibliográficas:


KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma gramática introdutória. Trad. Marie Ann Wangen Krahn. São Leopoldo: Sinodal, 1998. 456 p.


RÜGER, H. P. Biblia Hebraica Stuttgartensia. 4. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1990. 1574 p.


ZENGER, Erich. Introdução ao Antigo Testamento. Trad. Werner Fuchs. São Paulo: Loyola, 2003. 557 p. Coleção Bíblica Loyola, n. 36.


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