Texto: Lucas 23.44-49.
INTRODUÇÃO
A celebração da Ceia do Senhor é uma ocasião importantíssima para a igreja cristã. Martim Lutero considera a Santa Ceia um testamento de Cristo: “Cristo partilha seu corpo e sangue mediante o pão e o vinho, enquanto o ser humano recebe essas dádivas” .[1] Hoje, pela manhã, ouvia na Rádio União, um coral que cantava o seguinte: “Por um pedaço de pão e um pouquinho de vinho, Deus se tornou refeição e se fez o caminho”.[2] Cabe, portanto, neste momento, pensar a respeito da morte de Jesus. Particularmente, gostaria que fizéssemos a leitura da narrativa em Lucas 23.44-49.
1. O CENÁRIO DA MORTE E O VÉU RASGADO
É uma narrativa curiosa. Ela também aparece em Mateus (27.45-56) e Marcos (15.33-41). As sequências narrativas são as seguintes:
2. O TEMPLO DE JERUSALÉM E O VÉU DO SANTO DOS SANTOS
O Templo era uma instituição muito importante para o judaísmo daquela época. Segundo os livros de Samuel e Reis, havia sido prometido por Deus a Davi: Salomão, o filho de Davi, construiria o Templo e ali Deus habitaria no meio de Israel (2Samuel 7.12-13; 1Reis 6.12-13). O 1º Templo foi construído, então, por Salomão. Após o exílio babilônico, foi reconstruído no tempo de Zorobabel, durante o período persa (cf. Esdras 4.24 - 6.22; Ageu 1.1 - 2.9). Este Templo passou por restaurações durante o período de Herodes, o Grande[3], o mesmo que perseguiu Jesus menino (Mateus 2).
No interior do edifício do Templo, um véu separava o Santo dos Santos do Santo Lugar, o salão maior. O véu é antes mencionado em Êxodo 26.31-33: “Pendurarás o véu debaixo dos colchetes e trarás para lá a arca do Testemunho para dentro do véu; o véu vos fará separação entre o Santo Lugar e o Santo dos Santos” (v. 33).[4] Em seguida, também se fala dele durante a construção do 1o Templo: “E cobriu Salomão a casa por dentro de ouro puro, e, com cadeias de ouro, pôs um véu diante do oráculo, e o cobriu com ouro” (1Rs 6.21; cf. 6.16)[5]. O véu, portanto, separava o Santo Lugar do Santo dos Santos, tanto no Tabernáculo de Moisés quanto no Templo de Salomão.
O que se fazia no Santo dos Santos? De acordo com Levítico 16 (cf. 23.26-32), o sacerdote entraria uma vez por ano (v. 34) “para dentro do véu” (v. 11-12), com vestimentas sagradas especiais e banhado em água (v. 4), a fim de oferecer o sangue por meio do qual faria a expiação dos pecados por si e sua família (v. 11) e pelo povo (v. 15). O sangue era oferecido sobre o propiciatório, a peça que ficava por cima da arca da Aliança (v. 14-15). O chamado “Dia da Expiação” ocorria no dia 10 do mês de Tishrei, o sétimo do calendário judaico (Levítico 23.27). Neste ano de 2009, o Dia da Expiação (Yom Kippur) será comemorado em 28 de setembro.[6]
3. O VÉU DO TEMPLO E A MORTE DE JESUS
Podemos pensar que, quando os três primeiros Evangelhos mencionam rapidamente o véu do Templo na narrativa da morte de Jesus, pretendem fazer uma relação. O que o véu rasgado tem a ver com a morte de Jesus?
Se o véu que cobria a entrada do lugar onde a expiação era feita foi rasgado, concluímos que foi retirado o impedimento de acesso à presença de Deus. De acordo com o Levítico, Deus aparecia no Santo dos Santos por sobre o propiciatório (16.2). Já que o sacerdote deveria apresentar ali o sangue para fazer a expiação, a morte de Jesus é divulgada nos Evangelhos como a oferta de expiação aceita definitivamente por Deus. É possível dizer que a morte de Jesus representa, ao mesmo tempo, a manifestação de Deus que oferece o perdão e a oferta entregue a Deus pelos pecados. É em Jesus e por Jesus que se dá o perdão dos pecados e a reconciliação com o SENHOR.
Se notarmos a linguagem de Lucas, perceberemos que, após se rasgar o véu no Templo, Jesus entrega a sua vida ao Pai. Parece que o autor quer dizer que não é mais no Templo e do sacerdote que Deus receberá a oferta expiatória e perdoará o seu povo. Isso aconteceu no Calvário, onde, na cruz, Jesus ofereceu a sua vida a Deus. No Evangelho de João, inclusive, o corpo de Jesus é chamado de “templo” (João 2.21).[7] Na Carta aos Hebreus, o autor chama a carne de Jesus (isto é, o seu corpo) de “véu”, através do qual o Filho de Deus consagrou um caminho novo e vivo de perdão (Hebreus 10. 20).
Com este episódio, o evangelista pretende confirmar a fé com a qual o destinatário de seus livros, Teófilo, fora instruído (Lucas 1.4): “Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão dos pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lucas 24.46-47).
É interessante que, diante deste “Templo”, o centurião romano reconheça a manifestação da justiça. É certo que suas palavras indicam especificamente que Jesus não tinha culpa que merecesse aquele castigo. Mas não dá para deixar de pensar que Jesus é o novo Templo, através do qual judeus e não-judeus podem encontrar a justiça de Deus, por meio da conversão e do perdão.
Podemos lembrar aqui de Paulo. Ele transmitiu aos coríntios a fé que havia recebido: “[...] Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras [...]” (1Coríntios 15.3).[8]
CONCLUSÃO
Ao participar da Ceia, por meio do texto lido no Evangelho de Lucas, podemos refletir sobre a morte de Jesus como o culto perfeito: Jesus entrega a sua vida como oferta única de expiação e Deus manifesta-se para reconciliar o ser humano consigo. Por isso, Jesus é o novo Templo, onde se pode encontrar Deus através da conversão e do perdão.
Notas:
[1] JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero, p. 32.
[2] PADRE ZEZINHO. Por um pedaço de pão. Disponível em http://www.letras.com.br/padre-zezinho/por-um-pedaco-de-pao. Acesso em 16/08/2009.
[3] A Bíblia de Jerusalém, p. 1803, nota “l” (relativa a Ageu 2.9); cf. a nota "t", na página 1989, relativa a João 2.20: "A reconstrução do Templo havia sido iniciada no ano 19 antes de nossa era, o que situa a cena na Páscoa do ano 28."
[4] Almeida Revista e Atualizada.
[5] Almeida Revista e Corrigida.
[6] http://www.candlelightingtimes.org/shabbos/br.htm. Acesso em 15/08/2009.
[7] Almeida Revista e Corrigida. A Almeida Revista e Atualizada traz “santuário”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Bíblia: Almeida Revista e Corrigida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1985. 2366 p.
JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero. Trad. Ilson Kayser et. alii. São Leopoldo: Sinodal, 2001. 188 p.
http://www.candlelightingtimes.org/shabbos/br.htm. Acesso em 15/08/2009.