"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

terça-feira, janeiro 08, 2008

Crianças e brinquedos

Acabara de ganhar alguns bonecos dos Transformers. Quais eles fossem – Bumblebee, Optimus Prime, Ratchet, Ironhide, Bonecrusher, Megatron, etc. – não importa tanto. Os olhos da mãe, que dera o presente, brilhavam de satisfação por causa da alegria da criança, que manuseava freneticamente os fantásticos robôs que se convertiam em veículos.


Alguns dias e notou o menino desanimado. Perguntou-lhe o que havia. Respondeu que não tinha com quem brincar. Os robozinhos eram bem legais, ele os queria há muito tempo. Todavia, seria mais divertido se outras crianças estivessem ao seu lado para recriar as histórias daquelas espantosas máquinas orgânicas vindas do decadente planeta Cybertron. Sim, ele conhecia muito bem a trama da TV e do cinema.


A mãe ligou e chamou as primas e os primos. Eles vieram e trouxeram os seus brinquedos. Foi uma festa! Gritos, gargalhadas e, claro, algumas brigas contagiaram a casa de vida. Travavam-se batalhas épicas de mentirinha, os bons e os maus se defrontavam numa ficção em que o que morria era apenas o tédio.

– Ué, o que está acontecendo? – indagou de si mesma a mulher, percebendo que, passado o tempo, o entusiasmo ia murchando. Chegou à porta do quarto do filho e viu a criançada espalhada, um pouco aqui, um pouco ali; havia quem estivesse sozinho.

Por que não brincam todos juntos, como estavam fazendo antes? – quis saber ela.

Ah, mãe – falou o filho – cada um começou a querer fazer do seu jeito. E aí eu disse que não era assim que se brincava de Transformers. Com muito custo, consegui que todos entendessem o que eu queria. Mas aí, aos poucos, foi cada um para um lado.

A mãe foi à cozinha e voltou com um belo lanche: cachorro-quente, bolo Pullman, suco e outras coisas gostosas que vocês queiram imaginar. Depois, para quem quisesse, ela traria sorvete. Meninos e meninas se reuniram todos ao redor do que a mulher oferecera. Comendo e bebendo, muito animados, voltaram a conversar.

Terminada a comilança e retirados os pratos, os copos, as tigelas e os talheres, a meninada voltou aos brinquedos. Agora, entretanto, havia uma novidade: a mulher queria se juntar ao grupo.

Tia, a senhora vai brincar com a gente? – perguntou uma das crianças.

Menina, você acha que eu vou perder essa chance de aproveitar que vocês estão todos aqui em casa?

Ninguém mais ficou pelos cantos. E a euforia e a felicidade não pararam mais!

sexta-feira, janeiro 04, 2008

A esmo

Acabo de ler no blog de meu amigo Fábio Aguiar uma sugestão interessante. Numa postagem de setembro, que intitulou "Escolhas" (confira no link aí ao lado: "Ordenador de idéias"), ele começa falando da dificuldade que escrever é algumas vezes. Dispõe-se, então, a simplesmente ir escrevendo para ver o que sai. Resolvi tentar, embora já tenha feito algo parecido (minha postagem anterior, a última de 2007, foi um pouco assim).

Há pouco conversava com meus amigos Romão e Allany pelo MSN. Na verdade, ainda estou com eles no ar. Bons amigos. Interessam-se pelo meu bem-estar e em bater papo comigo. O Romão, já conheço há muitos anos, porém sempre temos algo para conversar. A Allany, conheço há poucos anos, mas sempre temos algo para conversar. Como gostamos de algumas coisas parecidas, geralmente Allany e eu trocamos figurinhas sobre filmes, dinossauros, viagens no tempo, vida em outros planetas, Deus e a espiritualidade, livros, música (mesmo dentro do ínfimo conhecimento que tenho sobre este assunto), desenhos, super-heróis, etc. Muita gente acharia tais assuntos deveras estranhos e até bobos. Todavia, nós não ligamos. Adoramos falar sobre essas coisas. E que não nos aborreçam!

Vi no jornal agora, à noite, que um homem equatoriano caiu de um prédio de 47 andares em Nova Iorque e sobreviveu.1 Sofreu múltiplas fraturas (é claro), mas foi submetido a cirurgias e parece já poder falar. Deve levar mais um ano até que recupere os movimentos dos membros inferiores e ande novamente. Segundo o que o jornal mostrou, entre os médicos que cuidavam dele, a palavra "milagre" foi mencionada. Até para um profissional da ciência, acho que não há termo melhor para qualificar o incidente. Todavia, mistificar o acontecimento, pura e simplesmente, não muda a vida de ninguém. Graças a Deus, o homem sobreviveu. Seu irmão, infelizmente, não teve a mesma sorte. Não sei quem é esse felizardo, nem como vivia até então. Espero, contudo, que esse "milagre" lhe incentive a seguir em busca de um bem viver, ao lado da esposa e daqueles que o conhecem.

Por falar nisso, ontem a Globo exibiu, no "Festival de Sucessos", o filme "Sinais" (Signs, EUA, 2002), do cineasta indiano M. Night Shyamalan. Ele é conhecido por articular em seus longa-metragem tanto o mistério quanto o sentido das situações que envolvem a vida cotidiana, os quais se definem pela presença do sobrenatural ou do incomum (de fato ou arquitetada). Recomendo-lhes os ótimos "O sexto sentido", "Corpo fechado" (Unbreakable) e "A vila". Em "Sinais", Mel Gibson vive Graham Hess, outrora pastor de um condado da Pensilvânia. Com ele, moram seus dois filhos, Morgan e Bo, e seu irmão, Merrill, interpretado por Joaquim Phoenix. Graham Hess havia abandonado a igreja e a fé depois que sua esposa, Colleen, morrera em decorrência de um acidente de carro, vitimada por um motorista que dormira no volante. O próprio Shyamalan interpreta o motorista.

Na trama do filme, estranhos e gigantescos círculos aparecem da noite para o dia na plantação próxima à residência de Graham. Outras figuras começam a surgir em outros lugares, seguidas de luzes que pairam sobre algumas das principais cidades do mundo, a partir da cidade do México. Uma imagem em vídeo feita no Brasil fornece a prova que faltava: uma invasão alienígena estava prestes a ser desencadeada.

Shyamalan trabalha essencialmente os rumos pelos quais o sofrimento pode nos levar: perder ou recuperar a fé. E é da perda para a recuperação que a personagem de Mel Gibson evolui quando percebe que a combinação de situações infelizes do passado e do presente, aparentemente sem sentido, corroborava para preservar a sua vida e a de sua família ante aquela circunstância sinistra. Não pude deixar de pensar na história bíblica de José (Gênesis 37; 39-50). Estando próximo o desfecho, José, ora vizir do Faraó, revela-se a seus irmãos, que ficam aturdidos. Naquilo que diz a eles, pode-se perceber a noção de destino, isto é, as ações de seus parentes que lhe causaram sofrimento concorreram para a consecução de um propósito maior, relativo à sobrevivência de toda a família do, outrora, desafortunado semita (Gênesis 45.1-8):

Então José não pôde conter-se diante de todos os homens de seu séquito e gritou: "Fazei sair a todos da minha presença." E ninguém ficou junto dele quando José se deu a conhecer a seus irmãos; mas ele chorou tão alto que todos os egípcios o ouviram, e a notícia chegou ao palácio do Faraó.
José disse a seus irmãos: "Eu sou José! Vive ainda meu pai?" E seus irmãos não puderam lhe responder, pois estavam conturbados ao vê-lo. Então disse José a seus irmãos: "Aproximai-vos de mim!" E eles se aproximaram. Ele disse: "Eu sou José, vosso irmão, que vendestes para o Egito. Mas agora não vos entristeçais nem vos aflijais por me terdes vendido para cá, porque foi para preservar vossas vidas que Deus me enviou adiante de vós. Há dois anos, com efeito, que a fome se instalou na terra e ainda haverá cinco anos semeadura e sem colheita. Deus me enviou adiante de vós para assegurar a permanência de vossa raça na terra e salvar vossas vidas para uma grande libertação. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, mas Deus, e ele me estabeleceu como pai para o Faraó, como senhor de toda a sua casa, como governador de todas as regiões do Egito.
2

Após a morte de Jacó, o patriarca, e por causa do temor de seus irmãos de que quisesse se vingar, José lhes reafirma a convicção de que tudo o que lhe ocorrera até ali, não obstante as más intenções dos irmãos, fora conduzido por Deus na direção de um bem maior para a estirpe de Israel (Gênesis 50.15-21):

Vendo que seu pai estava morto, disseram entre si os irmãos de José: "E se José for nos tratar como inimigos e nos retribuir todo o mal que lhe fizemos? Por isso, mandaram dizer a José: "Antes de morrer, teu pai expressou esta vontade: 'Assim falareis a José: Perdoa a teus irmãos seu crime e seu pecado, todo o mal que te fizeram!' Agora, pois, queiras perdoar o crime dos servos do Deus de teu pai!" E José chorou ouvindo as palavras que lhe dirigiam.
Vieram os seus próprios irmãos e, lançando-se a seus pés, disseram: "Eis-nos aqui como teus escravos!" Mas José lhes disse: "Não tenhais medo algum! Acaso estou no lugar de Deus? O mal que tínheis intenção de fazer-me, o desígnio de Deus o mudou em bem, a fim de cumprir o que se realiza hoje: salvar a vida a um povo numeroso. Agora não temais: eu vos sustentarei, bem como a vossos filhos." Ele os consolou e lhes falou afetuosamente.3

Não sei se destino existe. Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas? Por que uma pessoa se torna um bandido? Por que pessoas desaparecem e suas famílias nunca mais as vêem? Por que uns se tornam bem-sucedidos e outros fracassam? Por que há pessoas que confiam em Deus e permanecem pobres e outras, que também confiam, adquirem um padrão de vida invejável? Por que alguns que têm tudo destroem as suas vidas em vícios e promiscuidade e outros, com muito pouco, vivem felizes? Por que alguns que não têm nada decidem permanecer no ócio e na precariedade e outros que têm tudo não se cansam de trabalhar e empreender ações altruístas? Por que alguém se casa com essa e não aquela pessoa? Por que, entre pessoas doentes, uns e não outros (ou todos) se curam (ou são curados)? Por que duas crianças nascem e uma vive e a outra morre? Ou as duas vivem? Ou as duas morrem? Por que há pessoas que gostam tanto de estudar, outras que se esforçam porque não gostam, mas sabem que precisam, e outras que nem gostam e nem se esforçam? Por que, numa mesma família, duas pessoas se tornam professores, e uma é mais considerada do que a outra? Por que a vida parece tão fora de nosso controle e continuamos a insistir que sabemos e podemos controlá-la?

A infelicidade do homem é grande, pois ele não sabe o que vai acontecer:
quem pode anunciar-lhe como há de ser? (Eclesiastes 8.6b-7)
4

Minha tempestade de idéias, por hoje, termina aqui.


Notas:

1 Veja em http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/01/05/327894093.asp

2 A Bíblia de Jerusalém, p. 95s.

3 Ibid., p. 104.

4 Ibid., p. 1176.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


A BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista. São Paulo: Paulus, 1985. 2366 p.