A biblioteca dos essênios, encontrada nas proximidades do Mar Morto, em Qumran, possuía cópias em maior ou menor número de todos os livros que hoje constam do cânon (à exceção de Ester). De igual modo, produziram comentários de alguns deles, tais como Isaías e Salmos. Os dados poderiam sugerir que os essênios atribuíam maior importância à Torá e aos Profetas. Só para constar: foram encontradas cópias de outros livros, por exemplo, o Eclesiástico (Sirácida).
Entre os judeus que viviam em terras gregas, por exemplo, em Alexandria, no Egito, certamente eram aceitos todos os livros do cânon de hoje, além de outros, como os livros dos Macabeus, do Eclesiástico e da Sabedoria de Salomão, embora isso provavelmente não fosse unânime. É preciso considerar também a recepção de acréscimos de material feitos em alguns livros, por exemplo, Ester e Daniel.
As distintas comunidades cristãs aceitavam os mesmos livros básicos do cânon judaico atual e certamente usavam mais alguns, pois não havia a concepção de um cânon fechado ainda. Podemos encontrar referências a alguns desses outros livros em citações do Novo Testamento: por exemplo, Judas 14-15 (citação extraída do 1º Livro de Enoque, conhecido também como Enoque etíope).
Após a devastação de Jerusalém pelos romanos no ano 70 do século I d.C., o sínodo realizado pelos fariseus na cidade de Yavné, na região costeira norte da Palestina, por volta do final da década de 90, apenas confirmou o caráter de Escritura Sagrada da maioria dos livros do cânon judaico de hoje, sendo que essa marca de autoridade provavelmente já remontava a meados do século II a.C.
Quanto à Bíblia cristã, falemos primeiro do cânon do Novo (ou Segundo) Testamento. Nenhum dos 27 livros que o compõem foi escrito com a pretensão de fazer parte de uma coleção ou ser considerado Escritura Sagrada. A referência às cartas de Paulo (embora não saibamos exatamente quais) em 2Pedro 3.15-16 apenas sugere que as coisas começaram a mudar no final do século I e início do século II d.C. O texto de 2Timóteo 3.16 está se referindo aos livros que formam hoje o Antigo Testamento (ou, pelo menos, boa parte dele).
A partir do final do século I d.C., alguns fatores como o desaparecimento da geração dos apóstolos de Jesus e a problemática de pensamentos divergentes dos ensinamentos comuns entre as igrejas começaram a impor a necessidade da formalização de um conjunto de escritos autorizados que preservassem as memórias da vida do Senhor, os seus ensinos e as instruções apostólicas. Nessa época, precisamente a partir do século II, tornara-se igualmente importante preservar o Antigo Testamento e a sua indiscutível posição de livro sagrado para a fé cristã.
Em relação às igrejas orientais (de idioma grego), o processo de reconhecimento de um cânon do Novo Testamento se estendera até a segunda metade do século IV d.C., quando Atanásio, o bispo de Alexandria, proclamou canônicos os 27 livros que temos hoje. A lista de Atanásio serviu de referência para as igrejas romana e africana (latinas), de modo que também ali a questão já estava resolvida até o final do século IV d.C. Entre os livros considerados aqui e acolá problemáticos até essa época estão Hebreus e o Apocalipse de João. Este último, entretanto, já aparece em um documento do século II d.C., conhecido, graças ao seu descobridor, como Cânon de Muratori.
Sobre a diferença entre as edições católica e protestante do Antigo Testamento, desde o século IV d.C., a Igreja ocidental (latina) reconhecera o cânon grego do Antigo Testamento (a chamada Septuaginta), mais extenso do que o cânon judaico, pois incluía, pelos menos, outros sete livros. O reconhecimento na Igreja oriental (grega) se deu no século VII d.C.
No século XVI, os Reformadores, interessados em retornar à ueritas hebraica (a verdade do hebraico), apegaram-se aos livros do cânon judaico. Isso significa que eles não admitiram como canônicos (embora alguns, como Lutero, necessariamente não desaprovassem a sua leitura) aqueles livros que não possuíam uma redação hebraica anterior. Desse modo, ficaram de fora do cânon protestante do AT: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria e as adições gregas aos livros de Ester e Daniel.
Em 1546, contudo, o Concílio de Trento estabeleceu que, para a Igreja Católica Romana, esses livros deveriam vigorar como canônicos. Por isso, ficaram conhecidos como "deuterocanônicos", isto é, "uma segunda lista" de livros autorizados. No século XVII, a Igreja oriental aceitou os livros de Tobias, Judite, Eclesiástico e Sabedoria.
Para informações mais detalhadas, vocês podem consultar:
BARRERA, Julio Trebolle. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã: introdução à história da Bíblia. Trad. Ramiro Mincato. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 741 p.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Trad. João Paixão e Isabel Fontes Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1982. 798 p.