"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Rascunho de uma história dos cânones das Bíblias judaica e cristã

Há, pelo menos, duas edições da Bíblia atualmente: a Bíblia judaica e a Bíblia cristã. A respeito desta última, falaremos basicamente de duas edições, a católica e a protestante.

Vamos começar com a Bíblia judaica. Ela coincide, em número de livros, com o Antigo (ou Primeiro) Testamento da edição protestante da Bíblia cristã. Do ponto de vista hermenêutico, entretanto, a sua orientação visa, provavelmente, à reverência à Torá (os primeiros cinco livros) como revelação suprema, da qual as demais partes seriam comentários. Mas como estão organizados os livros da Bíblia judaica? Em Torá (palavra que significa "instrução"), Profetas e Escritos.

Da Torá fazem parte Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Dos Profetas, os chamados Anteriores - Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis - e os Posteriores - Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Integram os Escritos: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cânticos dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, 1 e 2 Crônicas. Passagens que introduzem e concluem estes dois últimos grandes blocos (os Profetas e os Escritos) sublinhariam a relevância da Torá atribuída a Moisés como fundamento da religião judaica (p. ex.: Deuteronômio 34.7-12; Josué 1.7-8; Isaías 2.1-5; Malaquias 4.4; Salmo 1.1-2).

Essa divisão tríplice dos livros sagrados do judaísmo parece já ser conhecida no século II a.C. No prólogo do livro Eclesiástico (ou Sirácida), o qual data dessa época, encontra-se a expressão "a Lei, os Profetas e os outros escritores". Já no Evangelho de Lucas, que deve ter sido escrito pouco depois da década de 70 do século I d.C., fala-se de "a Lei de Moisés, os Profetas e os Salmos" (Lucas 24.44). Parece, contudo, que, antes do ano 70 do século I d.C., ainda não havia um único conjunto de livros sagrados entre as populações semitas da Palestina que fosse devidamente reconhecido e aceito por todos. Os diferentes grupos religiosos possuíam os livros de sua predileção. Os samaritanos aceitavam apenas os cinco livros de Moisés (cujo texto, nos manuscritos disponíveis, difere em alguns casos dos manuscritos hebraicos que serviram de base para as edições modernas). É provável que os saduceus aceitassem os livros que hoje fazem parte do cânon, dando maior relevância à Torá, isto é, aos cinco livros de Moisés. Os fariseus decerto aceitavam todos os livros incluídos atualmente no cânon, à exceção de Ester e Eclesiastes possivelmente. Esse grupo possuía, entretanto, um conceito de autoridade que envolvia a Torá escrita e a Torá oral, sendo esta última a coletânea das interpretações jurídicas e religiosas realizadas sobre a Torá escrita.

A biblioteca dos essênios, encontrada nas proximidades do Mar Morto, em Qumran, possuía cópias em maior ou menor número de todos os livros que hoje constam do cânon (à exceção de Ester). De igual modo, produziram comentários de alguns deles, tais como Isaías e Salmos. Os dados poderiam sugerir que os essênios atribuíam maior importância à Torá e aos Profetas. Só para constar: foram encontradas cópias de outros livros, por exemplo, o Eclesiástico (Sirácida).

Entre os judeus que viviam em terras gregas, por exemplo, em Alexandria, no Egito, certamente eram aceitos todos os livros do cânon de hoje, além de outros, como os livros dos Macabeus, do Eclesiástico e da Sabedoria de Salomão, embora isso provavelmente não fosse unânime. É preciso considerar também a recepção de acréscimos de material feitos em alguns livros, por exemplo, Ester e Daniel.

As distintas comunidades cristãs aceitavam os mesmos livros básicos do cânon judaico atual e certamente usavam mais alguns, pois não havia a concepção de um cânon fechado ainda. Podemos encontrar referências a alguns desses outros livros em citações do Novo Testamento: por exemplo, Judas 14-15 (citação extraída do 1º Livro de Enoque, conhecido também como Enoque etíope).

Após a devastação de Jerusalém pelos romanos no ano 70 do século I d.C., o sínodo realizado pelos fariseus na cidade de Yavné, na região costeira norte da Palestina, por volta do final da década de 90, apenas confirmou o caráter de Escritura Sagrada da maioria dos livros do cânon judaico de hoje, sendo que essa marca de autoridade provavelmente já remontava a meados do século II a.C.

Quanto à Bíblia cristã, falemos primeiro do cânon do Novo (ou Segundo) Testamento. Nenhum dos 27 livros que o compõem foi escrito com a pretensão de fazer parte de uma coleção ou ser considerado Escritura Sagrada. A referência às cartas de Paulo (embora não saibamos exatamente quais) em 2Pedro 3.15-16 apenas sugere que as coisas começaram a mudar no final do século I e início do século II d.C. O texto de 2Timóteo 3.16 está se referindo aos livros que formam hoje o Antigo Testamento (ou, pelo menos, boa parte dele).

A partir do final do século I d.C., alguns fatores como o desaparecimento da geração dos apóstolos de Jesus e a problemática de pensamentos divergentes dos ensinamentos comuns entre as igrejas começaram a impor a necessidade da formalização de um conjunto de escritos autorizados que preservassem as memórias da vida do Senhor, os seus ensinos e as instruções apostólicas. Nessa época, precisamente a partir do século II, tornara-se igualmente importante preservar o Antigo Testamento e a sua indiscutível posição de livro sagrado para a fé cristã.

Em relação às igrejas orientais (de idioma grego), o processo de reconhecimento de um cânon do Novo Testamento se estendera até a segunda metade do século IV d.C., quando Atanásio, o bispo de Alexandria, proclamou canônicos os 27 livros que temos hoje. A lista de Atanásio serviu de referência para as igrejas romana e africana (latinas), de modo que também ali a questão já estava resolvida até o final do século IV d.C. Entre os livros considerados aqui e acolá problemáticos até essa época estão Hebreus e o Apocalipse de João. Este último, entretanto, já aparece em um documento do século II d.C., conhecido, graças ao seu descobridor, como Cânon de Muratori.

Sobre a diferença entre as edições católica e protestante do Antigo Testamento, desde o século IV d.C., a Igreja ocidental (latina) reconhecera o cânon grego do Antigo Testamento (a chamada Septuaginta), mais extenso do que o cânon judaico, pois incluía, pelos menos, outros sete livros. O reconhecimento na Igreja oriental (grega) se deu no século VII d.C.

No século XVI, os Reformadores, interessados em retornar à ueritas hebraica (a verdade do hebraico), apegaram-se aos livros do cânon judaico. Isso significa que eles não admitiram como canônicos (embora alguns, como Lutero, necessariamente não desaprovassem a sua leitura) aqueles livros que não possuíam uma redação hebraica anterior. Desse modo, ficaram de fora do cânon protestante do AT: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria e as adições gregas aos livros de Ester e Daniel.

Em 1546, contudo, o Concílio de Trento estabeleceu que, para a Igreja Católica Romana, esses livros deveriam vigorar como canônicos. Por isso, ficaram conhecidos como "deuterocanônicos", isto é, "uma segunda lista" de livros autorizados. No século XVII, a Igreja oriental aceitou os livros de Tobias, Judite, Eclesiástico e Sabedoria.

Para informações mais detalhadas, vocês podem consultar:

BARRERA, Julio Trebolle. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã: introdução à história da Bíblia. Trad. Ramiro Mincato. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 741 p.

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Trad. João Paixão e Isabel Fontes Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1982. 798 p.

sábado, fevereiro 16, 2008

Chique

Ir à praia porque é chique é a maior tolice de todos os tempos!

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

22 de maio de 2008


Fonte:

http://www.omelete.com.br/cine/100009717/Indiana_Jones_e_o_Reino_da_Caveira_de_Cristal_tem_novo_poster_e_detalhes_da_trama.aspx

Ensaios sobre a expressão "Palavra de Deus" [1]

Gostaria de apresentar a vocês alguns apontamentos sobre a expressão “Palavra de Deus”. É uma expressão complexa, por isso vou tentar, a partir de hoje, apresentar alguns sentidos possíveis que podem ser percebidos nos textos bíblicos.

A Palavra de Deus pode ser percebida, em primeiro lugar, na palavra da lei. Em Êxodo 20, há uma introdução aos mandamentos do Decálogo ético. Para efeito de esclarecimento, decálogo quer dizer dez palavras. É um termo técnico, nesse caso, para os conhecidos “dez mandamentos”. A introdução de que falei é a seguinte: “Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo” (v. 1). Compreende-se que as dez palavras que foram ouvidas por Moisés e escritas em tábuas de pedra (de acordo com Êxodo 34.28) são palavras de Deus. Por extensão, as regulamentações do chamado “Código da Aliança” (Êxodo 20.22 – 23.19) são também consideradas palavras de Deus.

Em que sentido se pode dizer que Deus falou? Segundo penso, é preciso ir além da pura identificação da manifestação de Deus com o fenômeno da comunicação verbal, própria do ser humano. A experiência no monte Sinai, seja ela tomada ou não literalmente, representa uma percepção da conduta ética como reflexo da presença de Deus entre o seu povo. Evidentemente, essa percepção é humana, portanto sujeita àquilo que é próprio do contexto cultural em que a revelação se dá. No entanto, essa percepção, conquanto humana, é testemunha de que Deus se manifestou. Os códigos de leis são produtos da dinâmica social humana, contudo se crê que Deus se expressa neles. Essa observação é importante porque por ela se pode entender que esses códigos podem e foram discutidos ao longo da caminhada de Israel com o seu Deus. Situados no tempo e no espaço, não podem prever todas as situações possíveis à sociabilidade humana. Assim, podem ser adaptados ou revistos, sem perder necessariamente o seu caráter de testemunha da revelação de Deus. Precisamente porque é o ser humano quem os cria, precisam ser vistos e revistos em prol daquilo que é capaz de contribuir para a preservação da vida e da dignidade humana, o que realmente importa em última instância. No evangelho de Mateus, percebemos em Jesus um exemplo claro de reverência pela testemunha escrita da manifestação de Deus, a letra da Lei, ao lado de uma ampliação do alcance dos mandamentos. Experimente ler e refletir sobre Mateus 5, 6 e 7. De igual modo, Jesus é capaz de reinterpretar uma lei utilizando um princípio mais amplo. Um caso é o da mulher surpreendida em adultério, conforme narra o Quarto Evangelho (João 7.53 – 8.11).

Finalizo essa primeira parte do estudo esclarecendo que a experiência de encontro com a Palavra de Deus pode se dar de várias formas, como satisfatoriamente o atestam os variados textos bíblicos: sonhos, visões, audições, textos sagrados, ritos expiatórios e de consagração, etc. É importante, todavia, entender que esses elementos não são a Palavra, isto é, não devem ser identificados diretamente com a Palavra. Eles são, isso sim, mediadores do encontro com a Palavra. A Palavra de Deus é Deus mesmo manifestando-se ao ser humano para lhe trazer a salvação. Não é sem razão que o autor do evangelho de João dirá que a Palavra habitou entre nós e vimos a sua glória. Essa Palavra, segundo ele, é Jesus Cristo (João 1.14,17).