Lá pelas duas da madrugada, Benedito sentiu tocarem seu ombro.
- Bene. Bene. Tá acordado? - sussurrou Márcio querendo saber.
- Agora tô! - respondeu o primo contrariado - Que foi?
- Maior vontade de ir ao banheiro.
- Ué, esqueceu onde fica?
- Não é isso. Vamos lá comigo?
- Quê?! Que história é essa?!
- Tá escuro pra caramba.
- Já ouviu falar em lâmpada elétrica?
- Só tem lâmpada lá nas outras salas, depois do corredor. E ainda tem a sala de jantar e a cozinha antes de chegar no banheiro.
- E...?!
- Aquele lugar é assustador. Já ouvi dizer que viram vultos ali à noite.
Benedito não estava acreditando.
- Peraí, cê atrapalha o meu sono por causa de medo de fantasmas?
- Vai dizer que tem coragem de ir lá sozinho!
- Claro! Só que eu não quero mijar!
- Mas eu sim. Vamos lá! Tô apertado!
- Cara, não tem nada lá. Pode ir tranquilo.
- E se eu passo ali nas escadas que vão lá pra baixo e dou de cara com alguma coisa me olhando?
- Só faltava essa!
- Tô falando sério, Bene! Essas histórias que contam sobre esta casa fazem a gente cagar nas calças! Sabia que a tia Santinha morreu aqui?
- Sim, sabia. A irmã do vovô morreu no dia em que eu fiz um ano.
- Viu?
- Então, tá! Com tanta coisa melhor pra fazer no outro mundo, a tia Santinha vai ficar na escada e esperar você passar só pra ficar olhando a sua cara?
- Ah, sei lá! E aí?
Benedito sabia que Márcio não iria parar de perturbar. Levantou-se. Virado para o corredor, contra a parede dos janelões, olhou para a direita. Francisco, Fábio e Zé, os outros primos, os que moravam na casa, estavam ferrados no sono. Virou de novo e ergueu o braço bruscamente:
- Não acenda a luz! Vamos logo!
- Tá. - concordou Márcio.
Saíram pelo corredor escuro em direção às escadas que ficavam no meio da primeira das duas salas que possuíam iluminação. "Isso aqui tá escuro mesmo", pensou Benedito. De repente, firmando os olhos, percebeu que o primo não estava na sua frente. Mesmo sem luz, dava pra ver a silhueta, mas, num relance, já não a percebia mais. Ficou confuso por uns brevíssimos mas eternos segundos, subitamente ouviu um fio de voz atrás de si:
- Bene.
Caraca, que susto! Benedito virou e, mesmo baixa, sua voz estava furiosa:
- BOSTA!!!! Que cê pensa que tá fazendo?!
- Calma aí! Eu só parei porque pensei ter ouvido um barulho. Cheguei pro lado e aí você passou na minha frente. Se assustou?
- Mas é lógico que não! Anda logo!
Márcio passou à frente e, em seguida, chegaram às escadas. Ao passar por elas, deu uma olhada lá pra baixo, mais por nervosismo do que por coragem. O corredor que dava para a porta da rua era só sombras. Parece que a escuridão por um momento o hipnotizara, só que o empurrão do primo logo o tirou do transe:
- Vai!
Entraram na outra sala. Por ela chegariam à sala de jantar. Benedito acendeu a luz.
- Bem, vai lá.
- Hã?! O banheiro é só depois da cozinha.
- Então! Eu fico aqui esperando cê voltar.
- Ah, sim! De que adianta ter vindo só até aqui? Pois se é lá que os monstros estão!
- Eu nunca escutei tanta idiotice junta!
- Ah, é? E por que não vai comigo até lá?
- Cara, dá um jeito de ir mijar de uma vez! Eu quero dormir!
- Você tá aí se borrando! Quem diria!
- Quem diria o caramba! Tu é que prefere se mijar a encarar o caminho até o banheiro! E tudo por causa de fantasminhas! Seja macho!
Lá nos fundos, a porta do banheiro rangeu. O vento começou a assoviar. Os dois garotos pararam de discutir imediatamente e se voltaram para a direção dos sons. O que viram os deixou petrificados. Do umbral de uma parede que separava a cozinha de uma pequena área usada como depósito de coisas velhas, e onde também ficava o banheiro, surgira alguma coisa. Parecia uma figura humana, mas estava recurvada. Os pés, arrastando no assoalho, faziam um ruído de gelar a espinha. Movendo-se lentamente, a criatura se confundia com o ambiente lúgubre, ora sumia ora aparecia. A cada passo que dava, gemia como alma penada, feito alguém que era torturado. E seguia direto para os meninos.
Os troncos e braços de Benedito e Márcio não acompanharam suas pernas e um caiu por cima do outro. Desembestados, levantaram de qualquer jeito e trombando um no outro correram de volta aonde dormiam e fecharam a porta. Desabaram nos colchões, cobrindo-se da cabeça aos pés. Deu uma dor de barriga em Benedito, mas ele não podia sair dali. Márcio, que quase molhara as calças, decidiu fazer de tudo para segurar a vontade de urinar. Ficariam onde estavam até amanhecer.
Enquanto saía da cozinha, tia Teresinha, a mãe dos três garotos que dormiam tranquilamente lá no cômodo de frente do sobrado, notou adiante uma luz acesa. Passou a sala de jantar, por cujas janelas penetrava um luar fraco, e entrou no local iluminado. Ao apagar a luz, lembrou que deixara a janela do banheiro aberta. Havia sentido um vento frio assim que saíra de lá. Não se preocupou. Estava bem cansada. E o repouso da noite não estava sendo bom, já que o lumbago castigava-lhe as costas. A dor era tanta que até andar era custoso. Ah, mas no dia seguinte iria querer saber que barulhão era aquele que ouvira! Só podiam ter sido aqueles meninos capetados! Em tempo de atrapalhar o descanso dos outros, sô! Uma falta de consideração!
Voltando por onde viera, a senhora entrou à direita numa porta e foi para o quarto se deitar.
Um comentário:
Adorei a analogia feita por você entre a esta história e a realidade que vivemos lá no casarão de sua avó, em Rio Pomba! Maravilhosa!!!
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