"Então, falando ele estas coisas em sua defesa, Festo disse em alta voz:
Estás louco, Paulo! As muitas letras te levam à insanidade!"
(Atos dos Apóstolos 26.24)

sábado, setembro 01, 2007

A lua

Eu estava saindo da biblioteca do seminário, ontem. Já viera de outra biblioteca, a da faculdade, e havia andado muito. No caminho, pensava, falando para mim e para Deus sobre o meu cansaço, as minhas dúvidas e as minhas insatisfações com a religião, comigo mesmo e o ser humano. Apenas da natureza não tinha ressentimentos. Parecia-me a única realidade pura e legítima neste planeta (Não obstante, a luta das espécies entre si para sobreviver, freqüentemente violenta, deixa-me perplexo. É a violência humana, porém, que me causa repulsa e indignação!). E foi a natureza que me surpreendeu, quando eu estava assim, o coração tão dolorido.

A lua estava grande, um pouco coberta pela escuridão, contudo emitia um brilho cor-de-âmbar. Uma visão incrível, belíssima, da qual eu desfrutaria algumas outras vezes até entrar em casa. No caminho, um gato (novamente preto e branco, só que, dessa vez, do lado de dentro de uma casa, o portão devidamente protegido por uma tela, sinal evidente do cuidado dos donos pelo seu animal). Ele miou para mim, só então o vi. Imagine só! E nem me conhecia! Certamente nunca me havia visto! Aproximei-me e, mesmo por entre a proteção, ele não hesitou em se mostrar amigo.

Minutos antes disso, vi que uma conhecida, adolescente, vinha pelo outro lado da rua. Tive a impressão de que ela me identificara, todavia ficou na dúvida. Embora houvesse passado, ela olhou para trás e, agora segura, acenou para mim, sorridente. Retribuí. Foi legal aquilo.

Eventos únicos, ainda que circunstanciais. Não sei dizer se foram gestos de Deus, se bem que houvesse pensado nisso. Deus, aliás, à semelhança do narrado na lenda de Jó, não deu resposta objetiva às minhas indagações, mesmo soluções para as minhas dores. Isso não é uma reclamação, apenas uma percepção (que é uma ao lado de outras igualmente possíveis). E quer saber? Os personagens dos textos bíblicos não são exatamente conhecidos por se dirigirem a Deus cheios de "não-me-toques". Basta lembrar de Moisés, farto dos israelitas que conduzia pelos desertos; de Jeremias, explodindo de raiva, disposto a abandonar tudo; de Jó, ressentido porque tudo de ruim acontecera com ele; da mulher de Jó, que dissera ao seu marido para amaldiçoar a Deus e morrer; de Jonas, aborrecido, já que o seu anúncio (sem compaixão nenhuma, é verdade) não se realizara; de Jesus, desesperado diante do abandono da última pessoa de quem ele esperaria isso; de Paulo, arrasado porque Epafrodito estava à morte.

Ao chegar em casa, a dor permanecia. Contudo, essas experiências que vivi foram significativas. Deus apenas me ouviu. Todavia, a lua cor-de-âmbar foi um espetáculo muito bonito de se ver!